28.7.04

Bagão Félix admite "baixar" o IRS

Bagão Félix admite baixar o IRS...se tiver "folga" orçamental para isso.

A declaração de Bagão Félix, na realidade, atendendo à evolução recente da nossa despesa pública (no mínimo, consolidada em níveis próximos dos 50% do P.I.B., sem tendência para diminuir) e sem que se vislumbrem muitos mais caminhos realistas para o incremento da receita (a retoma, por alguns anunciada, desesperadamente anunciada, não passa, ainda, disso mesmo: um anúncio vago e quimérico!), tal declaração de Bagão Félix - dizia - só pode ser levada à conta de um tímido reconhecimento e de uma vaga declaração de intenções.

Um tímido reconhecimento de que, na verdade, a nossa fiscalidade é irracional e absolutamente injusta.

O sistema fiscal português, o mesmo sistema fiscal que mantém algumas aberrações sem qualquer justificação que não seja o ir (mais ou menos descaradamente) ao bolso dos cidadãos, como é o caso, por exemplo, do "Imposto de selo";
o mesmíssimo sistema fiscal que, só a muito custo e após muitos anos, conseguiu (apenas) mudar o nome do consensualmente apelidado "imposto mais estúpido do mundo" (Guterres dixit), acabando com a velha "Sisa" que se metamorfoseou no púdico I.M.I.T.; o sistema que camufladamente consegue níveis de tributação indirecta espantosos, transformando certas actividades comerciais/económicas não estaduais, nem para-estaduais, em verdadeiras industrias fiscais (vg, o sector automóvel, a revenda de combustíveis, etc., etc.); o mesmo sistema que nos envolve de forma omnipresente, tornando-nos a todos, de forma unilateral, consciente ou inconscientemente, "sócios", "pais", "devedores" do Estado;
essa mesma fiscalidade que nos submerge numa teia de obrigações declarativas e burocráticas que - quando levadas a sério - exasperam qualquer pessoa; o mesmo sistema que retarda ? portando-se como qualquer mau pagador de má-fé ? o cumprimento das suas obrigações de restituição de créditos de imposto aos particulares; o sistema e a adminsitração que, por regra e por tradição dos serviços, indefere em sede de reclamação graciosa qualquer pretensão do contribuinte, por mais razão (objectiva) que a este assista, presumindo-o como dolosamente faltoso e tratando-o, por hábito (pelo menos, nas "primeira impressões") como tal; o mesmíssimo sistema fiscal que não admite a compensação de créditos quando, porventura, é também e simultaneamente devedor do contribuinte; este mesmo nosso sacrossanto sistema fiscal É, DE FACTO, IRRACIONAL E INJUSTO, SENDO UM TRAVÃO AO LIVRE DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA, ALÉM DE REFLECTIR UMA VALORAÇÃO DA REALIDADE, NO MÍNIMO, ININTELIGÍVEL!

E foi isto que Bagão Félix reconheceu timidamente, indirectamente, ao fundamentar e ao exemplificar o porquê da necessidade de diminuir a pressão do IRS, mexendo nos respectivos escalões. Com efeito, a taxa marginal de (salvo erro) 34,6% atinge agregados familiares - portanto, casais, no mínimo, núcleos de duas pessoas (mas, normalmente, mais, considerando os respectivos filhos menores ou a cargo) - que têm rendimentos anuais próximos dos 16.000 Euros (+ ou - 3.200 contos, em moeda antiga). O que significa que (se fizermos as contas que o Ministro referiu) há quem ganhe cerca de 550 Euros/mês e apanhe com esta bonita taxa (dito de outra forma, há quem ganhe a "fortuna" de cerca de 110 contos/mês, e apanhe com essa linda taxa!!).

No fundo, no fundo, o que Bagão Félix disse é apenas um sintoma daquilo que sabemos: temos um dos mais desrazoáveis sistemas fiscais dos países civilizados, pagamos (directa, além de sempre indirectamente, uma enormidade), a nossa fiscalidade serve de instrumento privilegiado para, desde logo, acabar de vez com uma ainda ténue sobrevivente classe média cada vez mais miserável!
O espanto é que ninguém reaja! O espanto é que a generalidade da opinião pública (ou será apenas a "opinião publicada"?) ainda continue a falar de míticas evasões fiscais como se isso fosse a "chave" e o problema da nossa irracional fiscalidade! O verdadeiramente espantoso é que este sistema fiscal sirva para alimentar uma máquina pública-estadual que ? sem ser particularmente estimada ou eficaz ? consuma valores muito próximos da metade de toda a riqueza produzida no país (cerca de 50% do P.I.B. - como já atrás referi!) e ainda não tenha havido uma verdadeira movimentação popular de (legítima) defesa!!!

Às vezes, acho mesmo que somos um "estranho povo"... como dizia o poeta (e diz o fado)!