30.7.04
SOMOS TODOS MONÁRQUICOS
Os índices de popularidade dos políticos portugueses - os de agora e os de sempre - revelam sem excepção uma regra de ouro da política nacional: o Chefe de Estado, o Presidente da República, recolhe enormes percentagens de simpatia e admiração, destacando-se a léguas percentuais dos líderes partidários e das outras personagens políticas consideradas relevantes.
Esta regra, quase um princípio, aplica-se em relação a todos eles que, sem excepção, antes de terem ascendido à reforma presidencial tinham estado na política activa sem brilho nem proveito, onde provocavam a animosidade ou a indiferença da populaça: Soares abandonou sempre os governos a que presidiu em estado de desgraça, Sampaio não deixou saudades na liderança do PS e muito menos na Câmara Municipal de Lisboa, de onde saíu com uma cidade em declínio vertiginoso, e a Eanes, um obscuro militar de carreira, bastou passear-se mudo e quedo, com cara de poucos amigos, em cima de uma camioneta, para grangear a simpatia e o respeito do bom povo anónimo. Spínola, militar derrotado na Guiné, foi recebido no 25 de Abril como um César triunfante, Costa Gomes conseguia fazer-se respeitar e, indo um pouco mais atrás, embora não variando muito no estilo, até o venerando Almirante Américo Thomaz, que se deixava fotografar a jogar à bola com o netinho, era tido como um «tipo catita» de quem o Doutor Salazar abusava.
Poderá perguntar-se a que razão se deve tanto amor patriótico, quase filial, por semelhantes personagens. Será por obras e actos, por desempenhos e missões, por talentos subitamente revelados, pelo dom da oratória com que eventualmente encantam os súbditos, como o flautista de Hamlin, com as suas notas sublimes, fascinava a rataria? Ou até por relevantes trabalhos dedicados às letras ou às artes, ou por uma abnegada caridade cristã? Não, nada disso se pode encontrar em nenhuma destas vetustas e circunspectas personagens, à excepção provavel do Dr. Soares, mais efusivo, mas que, até ele, ficou irreconhecível durante o seu primeiro mandato de tão pacato que andava.
A verdade é outra: o povo português sempre estimou colocar-se debaixo da alçada paterna, sob a asa protectora de alguém «poderoso», «muito poderoso», que lhe oriente a vida. À falta de melhor, não podendo confiar nos políticos (na gente dos partidos e do governo, entenda-se), as figuras cinzentas, pardacentas e politicamente inócuas que se sentam no cadeirão de Belém, servem à medida. O ar grave de que se revestem ao assumirem funções, agrada, anima e dá esperança. Ao ponto dos mais desvalidos, como outrora se fazia às raínhas, escreverem longas cartas lacrimosas e penitentes às «primeiras damas», cuja «classe» é exaltada com respeito e veneração.
Na verdade, somos um país de monárquicos. E de parolos, também.