O CAA e o PMF andam enganados e têm dúvidas quanto a um sacrossanto princípio da ortodoxia liberal, o do utilizador-pagador. Meus Caros Confrades, Blasfemos que se prezem têm de ser, nesta temática, mais cavaquistas que o Cavaco, raios! O João Miranda já foi aqui claro q.b. quanto aos direitos adquiridos e às promessas dos políticos. Eu iria aproveitar para dizer mais alguma coisa sobre a lógica das portagens.
Por princípio, um equipamento ou serviço públicos devem ser de utilização gratuita quando, tendencialmente, se destinem ao universo dos cidadãos e da sua institucionalização resulte um claro benefício para a colectividade como um todo. O Serviço Nacional de Saúde (taxas moderadoras à parte) ou as redes de saneamento básico são 2 exemplos concretos de serviços e investimentos cujo financiamento integral pelos impostos é consensual. Já o mesmo não acontece com uma auto-estrada. Sendo uma via de comunicação de alto débito, o seu custo é infinitamente superior ao de uma estrada normal e o seu nível de capilaridade bastante inferior. Ou seja, enquanto as estradas normais constituem uma malha densa que cobre todo o país (o universo dos cidadãos) as auto-estradas apenas existem onde o nível de tráfego assim o justifique. Para além disso, os seus benefícios não se estendem a toda a sociedade, mas apenas a uma franja desta, sendo também nítidos alguns malefícios (maior consumo de energia, aumento da poluição sonora, maximização do uso do automóvel, etc). Impõe-se então que, para um equipamento apenas utilizado por alguns e de menores benefícios líquidos para a comunidade, funcione o princípio do "utilizador-pagador", o que se consubstancia pelo estabelecimento de uma taxa de utilização. Critério semelhante pode ser aplicado às propinas do ensino superior, as quais são escandalosamente baixas. Muito embora o País beneficie a longo prazo com o aumento da qualificação do seu capital humano, o benefício imediato e maior é para o licenciado, que, por deter um canudo, passa a ter mais e melhores saídas profissionais, no País ou fora dele, justificando-se assim que suporte uma parte ou mesmo todos os custos do investimento que representa a sua formatura.
O princípio do utilizador-pagador é ainda extremamente relevante sob o ponto de vista da equidade (ou da "justiça social", como gostam muitos). Nesta óptica, a abolição pelo Governo Guterres das portagens na CREL e em Ermezinde, constituiu uma perfeita aberração. Na prática, tal significou que os cidadãos de Bragança, Chaves ou Beja que, para além de não terem auto-estradas na região e às vezes nem sequer automóvel, têm os menores índices de poder de compra do País, passaram a financiar os cidadãos utilizadores das mesmas, os seus compatriotas residentes nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, por sinal os mais motorizados e que beneficiam de maior poder de compra.
Mas há outros efeitos relevantes na portagem para além de financiar o custo do investimento. Por um lado, contribuir para a conservação e manutenção, que assumem sempre valores significativos numa auto-estrada; por outro lado, mesmo que o investimento já esteja amortizado e considerando-se insignificante a manutenção, a portagem teria, ainda assim, razão de ser, como instrumento regulador do tráfego. O efeito prático da abolição das portagens pelo Governo Guterres, para além da injustiça social acima referida, foi um maior afluxo de viaturas a Lisboa e Porto, infernizando ainda mais o trânsito nestas cidades, com os reflexos que se conhecem na qualidade de vida urbana.
A portagem pode portanto reduzir o uso do automóvel em benefício de outras vias de transporte que já existam. Quando se diz que o comboio na ponte 25 de Abril, que constitui uma alternativa de qualidade face ao automóvel, está sub-utilizado, isso quer dizer que a portagem na mesma ponte para viaturas deveria ser aumentada significativamente.
A partir do momento em que se institui a portagem, ela deve ser universal em todas as auto-estradas, sob pena de criar distorsões e desequilíbrios no uso dos equipamentos. Seria o caso de não se cobrar portagens na IC1. Quando estiver completa, será uma auto-estrada pelo litoral que ligará Valença a Lisboa, num percurso sensivelmente paralelo à A1 e à A3. Não se cobrando portagens naquela, estaríamos a contribuir para o seu rápido congestionamento e para o esvaziamento destas. Não vejo igualmente razões para que não se cobre portagens na Via do Infante, situada na 2ª região mais rica do País. A EN125 não é alternativa? Problema a resolver pelos autarcas locais, que permitiram a construção desenfreada e selvagem nas imediações. Comeram a carne toda, agora fiquem também com os ossos.
O PMF coloca uma questão pertinente sobre os impostos de circulação, o "selo automóvel" e o imposto sobre os combustíveis, supostamente destinados à conservação e manutenção das vias rodoviárias. Eu acrescentaria ainda o famigerado Imposto de venda de veículos automóveis, que nos faz ter as viaturas mais caras da Europa. Como saberás bem melhor do que eu, não há lugar à consignação de impostos na legislação fiscal e na prática, estes destinam-se a muitas outras coisas que não a conservação rodoviária. Eu diria que decorrem sobretudo da enorme indisciplina financeira do Estado e concomitante imaginação para definir critérios de imposição fiscal. Vejo porém virtudes de regulação nos impostos sobre as viaturas e sobre os combustíveis, que penalizam (quanto a mim bem) o automobilista pelas externalidades negativas que advêm da sua existência para o ambiente. Quanto ao "selo", é uma francesisse totalmente ridícula e deveria ser extinto.