28.10.04

Leitura recomendada sobre o caso Buttiglione (2)

Casos análogos, por Tiago Souza d'Alte, no Peço a Palavra.

O que se argumenta é que o projecto europeu é um projecto isento de influências sujeitas a discussão, a divisionismos. É um projecto que se pretende congregador e não representante de um ponto de vista. É por esse motivo que o exercício de funções públicas deve ser dissociado de qualquer código moral -- sobretudo se esse código for oriundo da esfera religiosa. E, do mesmo modo, é por isso que a configuração da própria UE não deve estar relacionada com qualquer legado ou interferência da esfera religiosa.
Nesta perspectiva, aceitar que o projecto europeu está historicamente associado a um legado dessa natureza ou que os agentes políticos envolvidos nesse processo se guiam por esses padrões morais é um retrocesso. Porque tal evento representaria um suposto desvirtuamento do projecto multi-cultural europeu.

É esta a mentira que importa desmascarar. Em primeiro lugar, é uma falsidade histórica. A esfera religiosa teve um papel central na vivência europeia e dos europeus ao longo dos séculos. E constitui um substracto precioso do projecto europeu.
Para além do mais, a argumentação é absurda -- e é absurda porque oculta a verdade. Qualquer indivíduo é um agente moral. Um indivíduo que rejeite um código moral de origem religiosa não irá, consequentemente, actuar cegamente como um autómato. Ele actuará de acordo com outro código moral -- um código moral de índole materialista, onde os vectores de religiosidade não entram. Esse código moral é o do materialismo secular. Simplisticamente e no campo da decisão política, o materialismo secular é um fruto do Iluminismo e do materialismo. É o domínio da tecnocracia, o campo privilegiado do utilitarismo materialista. É esta a verdade que não se diz em voz alta.

Ou seja, o fenómeno a que assistimos não é o da criação de um espaço livre para um exercício asséptico de poderes. O que se quer é substituir um código moral por outro.