Um dos piores atributos existentes na cultura latina e, muito em especial, na portuguesa, é a atitude muito comum de despeito, inveja, mesmo rancor perante o sucesso alheio. Este jamais é visto como algo decorrente do esforço e mérito próprios, mas sempre como resultado da exploração de terceiros, do tráfico de influências ou da evasão fiscal. A riqueza e sua criação, sujeitas a emulação generalizada no mundo anglo-saxónico, são entre nós vistas como algo socialmente censurável, pecaminoso até, a que não será alheia a mentalidade miserabilista católica que convive muito bem com as teorias marxistas de exploração e de luta de classes.
De uma forma recorrente, a mesquinhez lusa põe os Bancos debaixo de mira e faz deles alvo das acusações e suspeições mais asininas. O facto de o seu core business consistir na compra e venda de dinheiro, por definição o vil metal, já lhes retira o estatuto de pessoas de bem. Terem além disso lucros considerados chocantes com a sua "actividade de agiotagem", só possíveis naturalmente com evasão fiscal em larga escala e com a asfixia financeira de consumidores e de empresas, é algo de inadmissível e a que urge pôr cobro. O coro das indignações moralistas vai portanto em crescendo, aberto pela demagogia barata de um Jorge Coelho e a atingir agora as raias do decoro com as declarações estridentes de Jorge Sampaio.
Tudo o que se tem opinado com grande divulgação mediática sobre a Banca e, em geral, sobre as Empresas de sucesso, denota uma grande ligeireza de análise e ignorância a granel. Vejamos:
Os Bancos são Instituições que actuam no mercado e o seu sector de actividade é talvez aquele em que a concorrência se faz sentir de forma mais acentuada, não só a nível interno, mas sobretudo à escala global. A liberdade que hoje existe de circulação dos capitais faculta a qualquer entidade nacional, individual ou colectiva, fazer aplicações ou financiar-se num banco estrangeiro, independentemente de este ter ou não sucursal aberta em Portugal. Esta situação foi devidamente antecipada há cerca de 20 anos e, de então para cá, foi enorme o caminho percorrido. A dura aprendizagem foi-se fazendo com o acréscimo de concorrência interna, que começou no início da década de 80 com a desregulamentação e nascimento de várias sociedades financeiras especializadas, em 1985 com o aparecimento dos primeiros bancos privados e continuou ao longo da década de 90 com a privatização de todos os bancos, com excepção da CGD. Em simultâneo com todas essas transformações, assistiu-se a uma autêntica revolução na forma de fazer banca com o aparecimento de produtos com grau crescente de sofisticação e melhorias consideráveis no serviço aos Clientes, sem paralelo em qualquer outro sector. Nada disto seria possível sem uma contínua inovação, seja no marketing, seja nas modernas tecnologias de informação e de comunicação que lhe permitem um contacto permanente com os Clientes e a satisfação das suas necessidades em tempo real.
Toda esta evolução, permite-lhe hoje competir em pé de igualdade com os concorrentes estrangeiros, seja no pricing, seja no nível de serviço. Os lucros cresceram, naturalmente, com as normais oscilações inerentes à conjuntura económica. E se eles se mantêm robustos, mesmo numa situação recessiva como a que atravessamos, isso deve-se fundamentalmente à sua crescente eficiência e à relação de confiança que a banca soube criar com o meio envolvente, fruto, em grande medida, da focalização profissional e quase obsessiva que vem fazendo ao longo dos anos no Cliente, a razão de ser de qualquer actividade. É a satisfação de milhões de Clientes, particulares e empresas, o seu principal factor de sucesso. Clientes que já se habituaram a elevados padrões de serviço e hoje exigem cada vez mais e melhor, jogando com a capacidade de, em poucos minutos, transferir todo o seu património para o concorrente do outro lado da rua ou da fronteira.
Mas fogem aos impostos, denuncia-se de forma recorrente, alertando para o escândalo que constitui a sua baixa taxa de tributação. Esta é mais uma tirada que revela tanto de ignorância como de má fé. A banca é porventura o sector sujeito a normas mais rígidas e exigentes e à mais permanente e múltipla fiscalização. Desde as empresas internacionais de research que analisam as suas contas à lupa e cujas recomendações têm impacto imediato no preço dos títulos cotados, à supervisão contínua do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e terminando na Inspecção Geral de Finanças que têm brigadas permanentemente instaladas nos bancos. Estes pagam os impostos que têm de pagar e aproveitam, de forma eficiente e até ao último centavo, todos os benefícios fiscais vigentes e todas as lacunas e omissões da lei. Seria totalmente irracional se não o fizessem e revelam uma enorme hipocrisia as declarações de políticos e governantes criticando aquela atitude, num apelo implícito e ridículo à auto-flagelação: toma lá este pacote de benefícios fiscais, mas não os utilizes senão pagas poucos impostos. É o mesmo que dar água a quem está sequioso, mas proibi-lo de beber porque pode matar a sede. Isto é tanto mais caricato quanto o Estado gasta milhões com o controlo de benefícios fiscais, obriga as empresas - e os bancos, em especial - a gastar milhões no processamento e envio de gygabites de informação cujo conteúdo altera a cada novo orçamento, no que constitui uma pesada carga fiscal encapotada, e não tem a coragem de simplificar todo o sistema: baixar e uniformizar as taxas de tributação para todos e revogar toda a panóplia de incentivos, isenções e benefícios fiscais. A extrema complexidade do sistema vem apenas beneficiar as grandes empresas, que podem pagar fiscalistas a peso de ouro; as pequenas empresas recorrem, essas sim, à evasão. A este respeito, sugeria a leitura dos códigos dos nossos impostos e do estatuto dos benefícios fiscais e facilmente se constata a impossibilidade de as pequenas e médias empresas cumprirem rigorosamente todos os preceitos, tal a densidade do espartilho legal a que estão sujeitas.
Eu desafiaria os nossos prezados leitores, designadamente os crentes nos malefícios sociais provocados pela banca, a um pequeno exercício de ficção, imaginando um mundo em que o sistema bancário não existisse:
- As nossas poupanças guardar-se-iam debaixo do colchão, sujeitas a uma dupla corrosão, a das traças e a da erosão monetária; mas ficaríamos com o grato consolinho de não enriquecermos agiotas à custa de taxas de miséria que nos pagariam pelos depósitos.
- Quando nos fossemos abastecer ao hipermercado, iríamos sempre algemados a uma mala cheia de notas, sujeitos a arrastões e a amputações; risco perfeitamente aceitável, face à alternativa de pagar ? 0,35 por cada cheque ou uma insuportável anuidade de ? 50,00 pelo cartão de crédito.
- Não perderíamos tempo no diálogo impessoal com as estúpidas máquinas ATM ou na navegação pelos portais bancários, mas deslocar-nos-íamos prazenteiramente às tesourarias da EDP, da PT, da Portgás, da Optimus, dos SMAS onde, em amena cavaqueira com os parceiros de fila, gozaríamos horas de agradável convívio enquanto não chegasse a nossa vez de pagar as facturas. Facturas que seriam cada vez mais pesadas, pois as empresas estavam continuamente a repercutir nos clientes os custos com as cada vez mais numerosas estruturas de cobrança espalhadas por todo o país.
- Quando pretendêssemos adquirir habitação própria ou viatura, seria facílimo obter financiamento apelando à solidariedade de cada um dos nossos familiares, amigos ou conhecidos. Teríamos de negociar condições específicas e aceitar taxas leoninas de cada um dos nossos financiadores, mas isso seria mil vezes preferível a hipotecarmos os nossos bens a "embusteiros".
- A habitação seria escassa e muito mais cara, mas isso era perfeitamente compreensível. É que as empresas construtoras, para cada empreendimento, tinham de andar pacientemente a apelar à vizinhança, tentando angariar e negociar caríssimos financiamentos no porta a porta, o que levava o seu tempo e fazia dilatar bastante o ciclo de produção. Coisa de somenos, face ao grato prazer de não ter de pagar uma muito menor margem de intermediação financeira a uma "instituição judaica".
- O Estado teria igualmente de fazer permanentes romarias por casa de todos os cidadãos para colocar a sua dívida, multiplicar as tesourarias por todo o país para cobrar os impostos, criar mais de 150.000 postos de trabalho para fiscalizar os cidadãos um a um, todos eles potenciais prestamistas, não fossem sonegar impostos sobre rendimentos de capitais. Certamente bem mais fácil do que receber atempadamente da banca a maioria das retenções na fonte e listagens identificativas dos contribuintes retidos.
Um mundo assim seria então preferível. Mais injusto, muito mais inseguro e sobretudo muitíssimo mais pobre. Mas estaria livre dessas associações de malfeitores chamadas bancos.
Em suma, não há entre nós a consciência da real valia dos serviços financeiros de que Portugal dispõe e que ombreiam com os de qualquer outro país. A sua qualidade e perenidade depende da inovação e de sucessivos e silenciosos choques tecnológicos que vêm protagonizando. E a sua sobrevivência, como a de qualquer outra organização, depende da adequada gestão do risco que souber fazer. Em Portugal, o maior risco reside sem dúvida no contexto político, burocrático e regulamentar, que matam à nascença qualquer tentativa de inovação e nos genes planificadores dos seus dirigentes de topo, que se julgam capazes, na sua infinita sapiência, de definir a estratégia de qualquer sector. Por outras palavras, na irresponsabilidade do Estado e dos seus agentes.
P.S.: Sobre este tema, obrigatória a leitura desta posta do RAF.