Não é habitual criticar posts do JPP. Em geral, sou um adepto do que escreve. Hoje, porém, ao passar pelo Abrupto, dei de «caras» com este post do qual discordo profundamente:
NOTAS BREVES SOBRE OS ÚLTIMOS DIAS (Continuação)
Em Portugal, há verdadeiros entusiastas de combater imaginariamente as batalhas já travadas, decididas, vencidas ou perdidas, conforme os casos. Agora, a propósito das mortes recentes, há toda uma repetição dos combates de 1975, como se eles não estivessem também já decididos. Em 1975, já se sabe quem "ganhou", quem "perdeu", quem contribuiu para ganhar, por aí adiante. Não vale a pena continuar a espadeirar para o ar, como se estivéssemos em 24 de Novembro de 1975. Não estamos, felizmente, mas por mérito dos da altura, não dos de agora. E não são os da altura que se ouvem agora proclamar vitórias e proclamar fúrias no vazio.
Estas sagas do "ganhador" - "perdedor" são demasiado yuppies para o meu gosto.
Para além disso, na história, só há perdedores. É só deixar passar o tempo. Às vezes nem muito.
Eu não dou grande importância à morte de Álvaro Cunhal em si mesma. Tal ficou bem evidenciado aqui. Agora, o 25 de Abril é como um balanço de uma empresa: apresenta um activo e um passivo. Diz JPP que os combates estão decididos. Talvez. Mas será que faz pouco sentido perguntar: o passivo da Revolução está definitivamente saneado?
Não estou com isso a menosprezar todo um turtuoso percurso que foi já percorrido, nem a desvalorizar quem conseguiu arrepiar uma boa parte do caminho. Agora, um país onde o Estado ainda tem golden shares em empresas estratégicas, onde mantém o controle da maior empresa de petróleos nacional, detém milhares de empresas públicas, onde comanda empresas de comunicação social, onde é o maior empregador com índices de produtividade baixíssimos que prejudicam a produtividade global, onde absorve a maior parte da riqueza produzida, onde os cidadãos são onerados com uma elevada taxa de tributação efectiva sem que isso se traduza sequer numa boa performance do Estado, tudo isto são facturas que estão por pagar e que foram emitidas em 1974.
A discussão à volta da morte de Cunhal não tem visado meramente apresentar o seu papel no passado: está a ser aproveitada politicamente para veicular uma certa visão benévola de alguns dos protagonistas do 25 de Abril, e não apenas para promover uma mera revisão da história.
JPP sabe certamente quem «ganhou» e quem «perdeu». Mas será que esse conhecimento faz parte da nossa consciência colectiva?
Toda esta encenação tem ainda uma intenção, para lá, obviamente, da homenagem a Álvaro Cunhal: a manutenção da Utopia do Estado Social/Socialista precisa de um forte conforto ideológico que passa pela revitalização da herança viva de uma certa ideia de Revolução Popular, «contra qualquer coisa», essencial para garantir a coesão de alguns sectores da sociedade portuguesa que procuram manter os seus privilégios - pois, obviamente, este «estado de coisas» agrada e serve alguns.
JPP é um grande pensador e comentador político. Fico um pouco desiludo porém ao ler um post onde transparece algum desdém sobre a «produção» alheia; a frase de onde consta a expressão yuppie é particularmente infeliz, pois denota um certo desprezo por uma juventude que tem ânsia de pensar.
Na minha perspectiva, não se pretende, com a discussão actual, esgrimir novamente as lutas do passado; nem discutir à volta da ideia do «ganhador/perdedor». É mais do que isso. Hoje, na sociedade portuguesa, há uma tensão evidente, uma batalha que se trava entre quem defende a necessidade de liberalizar e libertar a economia e os cidadãos e os que desenvolvem resistências para não perder os privilégios. As «armas» com que se travam estas batalhas são, instrumentalmente, ideológicas.
Não é mero exibicionismo yuppie o que motiva a discussão. É apenas consciência que os combates, ao contrário do que JPP escreve, continuam a ter de ser travados. De outra forma, obviamente.
Agora, se ficarmos a assistir impávidos e serenos, em que país viveremos no futuro, que Portugal vamos deixar aos nossos filhos?
Será que valem assim tão pouco as ideias? Não são elas a alavanca da mudança?
Rodrigo Adão da Fonseca