11.9.05

CARTAS AMERICANAS



Caro CAA,

Espero que esta te vá encontrar de boa saúde e forte ânimo, aí, nesse país de selvagens e analfabetos onde te encontras, que dá pelo nome de Estados Unidos da América e é dirigido por um macacóide que nem sabe ao certo onde fica Portugal.
Embora não seja dado a conspirações, menos ainda a ditos e a mexericos, sempre me pareceu muito estranho que dissesses que ias para aí fazer «investigação científica»! Como se esses tipos, que não têm História nem cultura, pudessem ter bibliotecas e Universidades em condições, para além das que vendem diplomas pela internet! Deves estar mais do que arrependido de teres ido para essa terra de analfabetos, e mortinho por regressar à Pátria onde nasceste e cresceste, cheio de saudades da Civilização.
Por cá, têm acontecido coisas notáveis e de grande importância para o País, a Europa e o Mundo. Aqui seguem as mais significativas, para te aguçar a saudade e fazer crescer a inveja que deves sentir de nós.
O Engº Sócrates anunciou que o PIB cresceu 0,5% nos últimos meses. Ninguém percebe bem como, porque isto parece cada vez mais na mesma e até o Sr. Ministro das Finanças disse, há dois dias ou três, que a economia estava parada e não havia forma de andar p'rá frente. Nem o Professor Marcelo, ele que sabe tudo sobre tudo, conseguiu arranjar explicação para o fenómeno. E, quando assim é, tal como no futebol (sobre o qual pareces bem informado), o melhor é baixarmos todos as orelhas, à espera que as pessoas mais inteligentes nos expliquem as coisas.
Quem não parece muito satisfeito com o crescimento do PIB, são as Forças Armadas e os Magistrados, que anunciaram já greves, paralisações e manifestações diversas. O Governo proibiu a manifestação da tropa marcada para a próxima semana, por a achar de «natureza sindical». Dizia o meu barbeiro, com algum exagero, que se o Marcello Caetano tivesse feito o mesmo em 74, ainda hoje estaria no poder. Eu ainda argumentei que o homem já morreu há décadas, mas ninguém lhe tira a ideia da cabeça, para a qual, aliás, ele encontra explicações de profundo recorte esotérico. Já sobre a greve dos Magistrados, não tem nada a opor. Sempre lhe dá jeito, até porque tem em cima uma acção de despejo do senhorio sobre o apartamento que ocupa há mais de cinquenta anos com a família, o cão, o gato e o periquito.
Quanto a eleições, nas presidenciais as sondagens desta semana dão uma vitória folgada ao Prof. Cavaco. Acho que o povo quer um regime presidencialista, que se há-de fazer? Quando regressares, com o teu bom-senso e a experiência que aí certamente colherás, talvez possas escrever uns «post» contra esse pérfido sistema que levou o simiesco Bush ao poder e a desgraça ao Médio Oriente. As autárquicas estão por dias, e embora ninguém fale nelas, o Isaltino, o Valentim e o Avelino têm as respectivas eleições no papo. Ao Rio e à sua remoçada equipa parece que ninguém vai tirar do lugar. Embora, em bom rigor, no lugar propriamente dito, só ficará o dito Rio, já que a restante malta foi recambiada da sociedade política para a sociedade civil.
Também te tenho de dar a boa notícia do fim dos incêndios. A pertinaz política do governo deu, finalmente, bons resultados, embora a oposição garanta que foi a chuva, que já inaugurou a tradicional época dos acidentes automobilísticos, a responsável. Maledicência política, desse pequeno ditador do PSD (como lhe chamou o Valentim), o Luís Napoleão Marques Mendes, como decerto já estás farto de adivinhar.
Mas a grande notícia da estação, que guardo propositadamente para o fim, é o surgimento do «Esquadrão G». Cavaleiros do apocalipse, rapazes tenazes, sem traumas nem complexos, gurús da pós-modernidade, trata-se de um notável grupo de jovens talentosos, cuja fotografia encabeça esta minha carta e que vai ter um programa num canal televisivo, dos que precisam de autorização emitida pelo governo e tudo. O que fazem eles? Ninguém sabe, ao certo! Não parece que cantem nem dancem (a não ser na intimidade), como não se lhes conhece obra publicada ou a publicar. Também não pintam, nem são artistas de nehuma das sete artes universalmente reconhecidas. Não dizem nem escrevem poesia, como nem sequer são bons contadores de anedotas (do género do «stand up» da SIC, estás a ver?). Parece mesmo que o que eles são é «gays», eufemismo modernaço para não ofender os senhores que gostam de senhores. O programa dedica-se à divulgação da «cultura gay» e vai ajudar a transmitir uma «nova e humanizada imagem» do tema. É bem feito que não estejas por cá, quando começar mais esse grande momento televisivo, que seguramente vai ombrear com as participações audiovisuais do Zézé Camarinha. Pede a um amigo teu que siga o programa, que o grave.

E por aqui me fico, meu Caro, aguardando que rapidamente regresses desse covil de cowboys e analfabetos onde em má hora te foste enfiar.

Abraços,