17.9.05

Eleitores e Eleitos.

Em regimes democráticos tais como os contemporâneos, um problema frequentemente referido é a clivagem que pode ocorrer entre eleitores e eleitos. Defenderei a noção segundo a qual tal clivagem se deve, pelo menos em parte, à dificuldade sentida por um eleitor para poder, se assim o desejar, aceder à condição de eleito.

O fenómeno democrático teve o seu desenvolvimento fundamental, na Antiguidade, na Grécia, mais precisamente, em Atenas. Se é geralmente referido que apenas uma minoria das pessoas tinham estatuto de cidadãos, não é menos verdade que existia uma preocupação para que cada cidadão pudesse, por sua vez, e para além da participação na assembleia, ter acesso a lugares políticos. Tal desiderato era cumprido pelo facto de parte significativa das posições políticas serem sujeitas a sorteio, permitindo, em consequência, a cada cidadão a possibilidade de a elas ter acesso. Essa possibilidade, essa hipótese, é exactamente aquilo que actualmente, em termos práticos, poderá frequentemente não existir.

Na República de Roma, os mandatos superiores (cônsules) eram sujeitos a renovação anual, e eram exercidos por um par de pessoas, numa tentativa de impedir a concentração prolongada do poder numa só pessoa, exactamente o tipo de regime que se seguiu.

A Democracia Liberal, nos seus termos actuais, nasceu nos Estados Unidos da América (EUA). Os redactores da Constituição tiveram em conta os exemplos Grego, Romano e Europeu, particularmente continental. Se já em Atenas não era possível todos acederem às posições políticas (embora a possibilidade existisse para cada cidadão considerado individualmente), muito menos o seria nos EUA, pelo que a República aí se instituiu segundo moldes que designaríamos por Democracia representativa.

Ora, a Democracia directa é, ainda hoje, possível, através da figura do Referendo. Não é possível, contudo, convocar referendos para toda e qualquer decisão, pelo que a Democracia directa e a Democracia representativa se complementam, não se excluindo reciprocamente.

O referendo permite ao cidadão votante usufruir da mesma exacta parcela de poder de decisão que qualquer outro. Constitui, portanto, um tipo de Democracia de cariz igualitário (uma nova forma de isocracia), e é frequentemente criticado por não-democratas.

A medida que mais facilmente favorece a transição da condição de eleitor para a condição de eleito é a limitação de mandatos. Quem não quiser largar o poder ficará sem ele pelas regras do jogo: é que, verdadeiramente, não existem pessoas insubstituíveis. A limitação de mandatos permite a mais pessoas ocuparem os lugares políticos.

No que respeita aos partidos políticos, cuja existência se poderá defender como condição que favorece o jogo democrático, o aumento da possibilidade de cada cidadão transitar de eleitor para eleito será melhor defendido através de medidas tais como: a transparência e objectividade no regime de admissão de cidadãos nos partidos, a qual deve ser, o mais possível, livre; a impossibilidade de exercer sanções disciplinares por delito de opinião; a noção segundo a qual a participação num partido é um gesto transitório de cidadania, devendo as posições dentro dos partidos ser, elas próprias, sujeitas a limitação de mandatos.

Em resumo, os partidos devem constituir meios de acesso dos cidadãos em geral ao poder político, e não estruturas que impedem tal acesso. De outra forma, os partidos correm o risco de se apresentarem como um grupo fechado de pessoas que pretendem conquistar o poder para a seguir o tentarem manter exclusivamente para si próprios. Na verdade, o apego ao poder é um traço, salvo melhor opinião, mais característico das Monarquias do que das Repúblicas.

José Pedro Lopes Nunes

(Resumo da intervenção no Teatro Rivoli, Porto, Portugal, 14 de Setembro de 2005).