5.1.06

Constituição, Partidos e Candidatos Presidenciais.

1. A Presidência da República Portuguesa constitui, por razões que não valerá a pena apresentar neste momento, por serem bem conhecidas, uma posição de elevado relevo e importância (trata-se, na realidade, de um órgão de soberania).

A Constituição da República Portuguesa prevê (artigo 122º) que "São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos". Contudo, numa outra passagem, a mesma Constituição exige (artigo 124º, 1.) que "As candidaturas para Presidente da República são propostas por um mínimo de 7500 e um máximo de 15000 cidadãos eleitores".

2. A experiência tem demonstrado que o número de assinaturas exigido parece ser excessivo para permitir a um cidadão comum apresentar-se à eleição. Tal foi confirmado no processo conducente à eleição de 2006, no qual apenas conseguiram formalizar a sua candidatura, de forma definitiva, menos de metade das pessoas que demonstraram interesse em se candidatar.

3. De forma não inesperada, todas as candidaturas que foram aceites, de forma definitiva, pela entidade competente para o efeito, foram protagonizadas por dirigentes ou ex-dirigentes de partidos políticos, enquanto que todos os cidadãos que nunca ocuparam esse tipo de posição não conseguiram atingir o final do processo.

4. O facto atrás mencionado corresponde, por outras palavras, a dizer que dificilmente alguém poderá ser eleito Presidente da República, nas condições existentes na presente data, sem ser ou ter sido dirigente partidário, apesar de haver pessoas interessadas que não preenchem essa condição.

Poderá argumentar-se, no plano meramente teórico, que pessoas dotadas de elevada notoriedade e recursos financeiros importantes poderiam conseguir atingir o patamar de serem candidatos aceites pela entidade competente (ou seja, com pelo menos 7500 proponentes). Contudo, a situação concreta actual é a atrás referida.

5. A Constituição, redigida por deputados eleitos em listas apresentadas por partidos políticos, contém um mecanismo para reservar a posição de Presidente da República, em termos práticos e com significativa probabilidade, para pessoas ligadas, no momento da eleição ou em momento anterior, a esses mesmos partidos.

6. Esta situação configura uma circunstância, a somar a outras, que concorre para dificultar a transição, por parte de um qualquer cidadão, do estatuto de eleitor para o estatuto de eleito, ou, no mínimo, de elegível, em termos práticos e não apenas teóricos.

7. Estes factos podem ajudar decisivamente a alargar o fosso entre eleitores e eleitos, podendo degradar a percepção que muitos cidadãos têm da própria Democracia, uma vez que, para muitas pessoas, pode eleger-se mas não se pode, em termos práticos, ser eleito.

8. Muitos eleitores poderão votar em determinado candidato, por filiação ideológica comum, por simpatia, por sensação de dever cívico, ou por qualquer outra razão.

Não será, contudo, de estranhar, se existirem cidadãos que optem pela abstenção (ou pelo voto em branco), não só por não apoiarem nenhum dos candidatos, mas ainda por não concordarem com as regras do jogo.

José Pedro Lopes Nunes

P.S. Ver ainda, em caso de interesse, "Eleitores e Eleitos", em http://ablasfemia.blogspot.com/2005/09/eleitores-e-eleitos.html.