11.1.06

Investimento Estratégico

O Zé, funcionário público, é casado em comunhão de adquiridos com a Maria, costureira, e tem dois filhos adolescentes. O Zé reside em Cascais, a três minutos da Quinta da Marinha.

O Zé tem um Opel Kadett 1.3 LS. Nos últimos anos, o Zé quitou o Opel, gastou umas massas numas lojas de tuning para pôr o bólide a acelerar mais depressa. Infelizmente, apesar de entrar na A5 sempre de prego a fundo, o Zé não consegue deixar de irritar-se quando os novos BMWs e os reluzentes Mercedes dos seus vizinhos da Quinta passam por ele sem grande esforço.

Da última vez que o Zé foi a Lisboa, chegou 3 minutos depois de um ministro, apesar de terem partido ao mesmo tempo. Para o Zé, uma das razões porque o outro é ministro e ele não, é porque o vizinho chega mais depressa a Lisboa e tem mais tempo para pensar.

O Zé já decidiu. Para ultrapassar o atraso em relação aos seus vizinhos ricos, vai comprar um Rolls Royce. O Zé acha que não pode continuar a pensar em ponto pequeno e não quer sentir-se mais pobre que o resto da vizinhança. O Zé já contou pelo menos 6 Rolls-Royce na zona.

Como se paga? Não há problema. O Zé sabe que o Rolls vai potenciar a sua carreira e pô-lo ao nível dos vizinhos. Assim que o Zé chegar a ministro ou a empresário rico já vai ser fácil pagar a máquina. Paga-se a si própria. É um investimento estratégico. É uma decisão de política familiar.

Quando a família perguntou "quanto custa?" o Zé explicou que quem vai pagar o carro não são eles. É o banco. O carro vem praticamente de borla. A família apenas tem que hipotecar a casa e assinar uma autorização para que o banco transfira para o dono do stand uma herança que a Maria está prestes a receber de um tio que vivia na Alemanha. Também vai usar uns dinheiritos que os pais da Maria tinham depositado em nome dos netos, mas o Zé garante que não têm grande significado, nem sequer ultrapassam 3% do investimento.

Apesar das explicações, gerou-se uma grande discussão, lá na casa. A família queria participar na decisão. O dinheiro era de todos, não queriam endividar-se, não precisavam de um carro tão grande só para dar uns passeios ao CascaisShopping no Domingo à tarde. Os protestos subiram de tom e quando a Maria propôs uma votação, o Zé deu um grande murro na mesa de fórmica e gritou: "Assim Não!"

O Zé não pode aceitar os protestos da Maria. Quando casaram, a Maria disse-lhe que não percebia nada de carros, esses assuntos ficavam para o homem da família. Agora a Maria quer alterar um pressuposto do casamento? Era só o que faltava. A legitimidade do Zé para tomar a decsião é total, legítima e inequívoca.

É ele que percebe de carros e lê as revistas de tuning, ele é que fala com os tipos que percebem do assunto. Porque é que se estão a meter em matérias que não dominam? A compra de um carro é uma mera questão técnica que só pode ser correctamente analisada por especialistas.

Para acalmar a família, o Zé pensou bastante em todos os detalhes. Até fez uma apresentação à prole em Powerpoint e mostrou à mulher um estudo, feito pelo dono do stand, que comprova a justeza da sua decisão.

Apesar das explicações do Zé, os filhos continuam cheios de dúvidas. O pai até já arranjou um esquema para levantar as contas de poupança-educação dos rapazes, explicando-lhes que já não vão precisar daquele dinheiro. Quando chegar o Rolls, vai ganhar ao nível dos outros vizinhos que também têm Rolls e por isso aquela poupança deixa de fazer sentido.

A compra de um Rolls-Royce para a família é um investimento estratégico, que beneficia a todos. Hoje não têm Rolls, amanha vão ter. Só podem ficar melhor. E o Zé promete:

"Um dia, no futuro, ainda virão todos ao pé de mim, agradecer-me pela minha clarividência."

É capaz de ser verdade. Um dia, daqui a muitos anos, talvez os filhos do Zé lhe agradeçam assim: "Muchas gracias, papá."