16.2.06

O regresso do discurso religioso.


Episódios recentes marcaram, de alguma forma, o regresso do discurso religioso à política portuguesa. As particularidades dos episódios, os enquadramentos concretos, o nome dos protagonistas, tudo isso se torna relativamente menos importante do que esta constatação mais simples: regressou o discurso religioso.

Não será, porventura, de estranhar, uma vez que o discurso político com base religiosa registou importantes resultados, não apenas em ditaduras teocráticas, mas também em países democráticos, com destaque para uma das principais Democracias do mundo, os EUA. Em "A charge to keep", publicado em 1999, G.W. Bush prenunciou alguns dos temas que lhe foram caros nos dois mandatos presidenciais que conquistou ulteriormente.

A ligação entre religião e política não se iniciou em 1999, no caso dos EUA. Para M.L. King, discursando em 1963: "I have a dream that one day every valley shall be exalted, and every hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plain, and the crooked places will be made straight; and the glory of the Lord shall be revealed and all flesh shall see it together." Muito antes disso, P. Henry, em 1775, proclamava que "Forbid it, Almighty God! I know not what course others may take; but as for me, give me liberty or give me death!"

Poderemos perguntar-nos: porquê o regresso do discurso religioso em Portugal, em 2006? Uma segunda reflexão, contudo, poderá encaminhar-nos para a pergunta certa: porque razão só em 2006 regressou o discurso religioso em Portugal? De facto, em grande parte da nossa História, tal como notou A. de Quental, a ligação entre poder político e poder religioso foi, sem dúvida, importante. Para além disso, poderá não ser necessário ir a outros continentes para encontrar quem não se reveja na separação entre sociedade e religião.

Nesta perspectiva, interessará explicar as causas deste regresso, ou, se quisermos, do final desta hibernação. Não será de colocar imediatamente de lado a hipótese de inserção num movimento político/intelectual internacional, nem será tão pouco de deixar de ter em conta o alargamento do espaço temporal relativamente a 1974.

Temos, contudo, que contemplar ainda outra hipótese: o discurso religioso pode ser visto como um instrumento importante para captar votos. Tal acontece na medida em que se estimula, no espírito do votante, uma confusão (criticável, na nossa opinião) entre a mensagem política e a mensagem religiosa - em particular, promove-se uma mistura de sentimentos.

Tendo surgido a ocasião, consumou-se o regresso do discurso religioso, não se sabendo se tendo em conta, não tanto o momento presente, mas antes o futuro.

José Pedro Lopes Nunes