9.5.06

O Valor dos Índices

Sempre que se fala em países ricos ou países pobres, aparece quem contraponha com o índice de Gini ou com a percentagem de população abaixo do limiar de pobreza. Fica sempre uma dúvida no ar. É mais importante aumentar a riqueza de um país ou baixar o índice de Gini?

Para o Brasil em 1999, o índice de Gini era de 57,7%, resultado desta curva de distribuição de rendimentos:

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O índice mede-se pela relação entre a área contida entre a linha de distribuição uniforme de rendimentos e a curva de Lorenz, que representa os rendimentos acumulados para a população de um dado país, partindo dos mais pobres para os mais ricos.

E o que faz mudar o índice de Gini? O enriquecimento das pessoas? O bem-estar geral da sociedade? Uma simpes simulação permite recalcular o índice de Gini em função de certos pressupostos.

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Imagine-se um país de 10 milhões de habitantes com a curva de distribuição de rendimentos do Brasil. O país Gini. Questione-se:

P: O que acontecerá no país Gini se, passados 10 anos, todos os Ginienses ganharem o dobro?

R: O índice de Gini passará de 57,7% para 57,7%. Nem mexe. O Índice de Gini está-se nas tintas para a maior ou menor riqueza duma sociedade.

P: O que acontecerá se um qualquer Pol-Pot mandar assassinar ou expulsar os 30% mais ricos de entre os ginienses (e, mesmo assim, o resto da população mantiver os seus rendimentos)?

R: O índice de Gini passa de 57,7% para 33,4%. O país Gini ficará muito mais pobre e miserável, mas o seu índice fica muito mais feliz.

P: O que acontecerá se Bill Gates migrar para o país Gini, levando com ele a Microsoft e todos os seus rendimentos e na sequência dessa mudança, os rendimentos dos ginienses aumentarem uniformemente 10%?

R: O índice de Gini piora. Aumenta de 57,7% para 72,1%. O índice demonstra uma grande preocupação com os milionários. É um índice invejoso.

P. O que acontecerá se o governo nacionalizar toda a actividade económica, expropriar todas as terras e estabelecer um salário único de 30 USD por mês para todos os ginienses e de 50USD para o 1% que gere o país?

R: O índice de Gini passa de 57,7% para 1,6%. Finalmente um país sem desigualdade. O índice de Gini adora povos uniformes na miséria.

É claro que o índice também melhora se o governo aumentar a progressividade dos impostos sobre rendimentos e distribuir pelos mais desfavorecidos a fração desse valor que não foi dissipada em custos burocratico-administrativos. Também é quase certo que nessa situação o rendimento médio da população baixa, o investimento também e a riqueza futura será menor.

A verdade é que todos os processos de enriquecimento rápido causam desigualdade. Na China, antes do início do boom, a quase totalidade dos cidadãos viviam em economia de subsistência. Salvavam-se apenas da miséria generalizada os dirigentes do partido ou os amigos. Agora, mais de 30% da população já não é pobre e alguns empresários são até bastante ricos. A fome quase está em grande queda, a pobreza absoluta diminuiu significativamente, mas agora já há quem se queixe da desigualdade.

Imagine-se um país com 60% de desemprego, ao nível do Botswana, logo após a independência. Alguém faz um primeiro investimento no país. Emprega 0,1% da população. O desemprego continua a 59,9%, mas se o investimento for bem sucedido, alguns accionistas, directores ou fornecedores enriquecem ou melhoram significativamente o seu nível de vida. Nesse país, ao fim de alguns anos, fizeram-se 100 investimentos do mesmo género e muitos outros mais pequenos. O desemprego baixou para 23%, parte por emprego directo nas novas empresas e em parte como resposta às novas solicitações dos novos ricos.

Este país está significativamente melhor hoje, mas o Gini está infeliz e crucifica esta nação. Por causa da desigualdade, o índice aumentou brutalmente, para valores escandalosos, segundo alguns. Não interessa se milhões de pessoas conseguiram salvar-se da miséria e passaram a ter uma vida digna. O índice grita contra os 77% porque ainda há 23% de fora.

Com mais uma década semelhante às anteriores, é provável que o desemprego neste país se reduza para valores puramente friccionais e a pressão no mercado de trabalho cause um aumento significativamente no nível geral de rendimentos, provocando a queda do índice. Mas até lá chegar, o índice ainda poderá piorar. E se tal acontecer, pode significar apenas que há menos gente na miséria.

Este índice transmite a ideia que a Irlanda, actualmente o segundo país mais rico da Europa, está pior agora do que há 20 anos. Serão poucos os irlandeses que não vivem melhor na Irlanda de hoje do que os seus pais na Irlanda dos anos 70. Acontece que o índice de Gini responde mais rapidamente à criação de riqueza do que à pobreza efectiva. Como um número significativo de irlandeses enriqueceram mais do que a média da população, o índice aumentou.

Esta contradição é muito semelhante à que se passa com o indicador de pobreza habitualmente utilizado pela comunicação social e por muitos políticos de esquerda. O indicador diz que alguém é pobre se ganhar menos que o limiar de pobreza, que definem em 60% da mediana de rendimentos nacional.

Com esta definição, acontecem coisas fantásticas como estas:

1. Se todos os milionários que vivem nos Estados Unidos se mudassem para a Bolívia, o nível de pobreza na Bolívia disparava. Nos Estados Unidos, pelo contrário, diminuia.

2. Se todos os portugueses passassem a ganhar o mesmo que um cubano médio, a pobreza em Portugal desaparecia, mas se todos fossem aumentados em 60%, o nível de pobreza não se modificará nem sequer uma décima.

3. Se se partisse um país ao meio e numa metade se colocasse a metade da população de menores rendimentos e no outro a metade mais rica, o nível de pobreza seria mais elevado no lado dos ricos do que no lado dos pobres.

Parece um mistério obscuro a razão porque tanta gente prefere utilizar estes indicadores de 'pobreza relativa' aos de pobreza absoluta que apontam sem grandes dúvidas a verdadeira miséria no nosso mundo. Parece mas não é. Consciente ou inconscientemente, quem utiliza estes indicadores arranja argumentos para atacar o capitalismo e a liberdade económica. É bom poder dizer que há 20% de pobres nos Estados Unidos, mesmo que o rendimento médio deste grupo de americanos desfavorecidos, em paridades de poder de compra, seja 6 ou 7 vezes superior ao de um cubano médio, país em que segundo estas definições, não há pobres.

Ainda há muita gente que idolatra a miséria generalizada de Cuba, mas não se cansa de gritar em defesa do homem remediado cujo vizinho é milionário.