Artigo publicado na Dia D, Público, a 13/Outubro/2006
Imaginemos um dos nossos melhores jovens recém-licenciados, carregado de espírito de iniciativa, que equaciona o futuro. Valerá a pena tornar-se empresário, ganhar em autonomia e liberdade, construir um futuro e antever a possibilidade de enriquecimento? Valerá a pena correr riscos?
Se este jovem se informar devidamente, ficará a saber que a vida solitária de pequeno empresário será uma luta permanente contra uma floresta cerrada de regulamentos, normas e obrigações. Nos primeiros meses, e apesar das simplificações recentes, o tempo esvair-se-á entre conservatórias, notários, finanças e outras repartições públicas e a energia que deveria ser posta ao serviço da imaginação, esvanecer-se-á entre certidões, registos, declarações, autorizações, atestados, despachos, licenças e alvarás. Sempre a troco de variadas taxas e emolumentos. E de muito tempo.###
O jovem empresário, nos intervalos das batalhas burocráticas não pode descansar. Terá que enfrentar um adversário difícil e implacável, o fisco. Provavelmente, a empresa pagará os seus primeiros impostos ainda bebé, antes de ter o primeiro euro de lucro e o jovem empresário com iniciativa verá com desencanto grande parte das suas primeiras receitas, aqueles pequenos sucessos iniciais que são como gota de água em boca seca, serem sorvidos pela insensível máquina fiscal. Colectas mínimas, pagamentos especiais por conta. O estado estima, a empresa paga. O fisco engana-se, a empresa paga primeiro e protesta depois.
Se a empresa do jovem empresário com iniciativa pretender fazer negócios com o próprio estado, arrisca-se a entrar no universo do surrealismo. Depois de passar a longa fase dos concursos públicos, que obrigarão a uma infindável sequência de cópias de declarações, registos, autenticações e certidões, se não tiver o azar de entrar por sectores devidamente armadilhados, a empresa do jovem empresário com iniciativa fornecerá um serviço ou um produto ao estado. Aguardará meses pelo pagamento mas enquanto espera, terá que entregar ao estado o IVA que ainda não recebeu. No fim do ano terá que apurar resultados e terá que contabilizar como lucro a margem desses negócios com o estado. O estado não quer saber dos atrasos de pagamento do cliente estado. A jovem empresa paga IRC sobre o lucro e começa a pagar o PEC. Dupla tributação, no segundo ano de actividade. Também vai pagar um imposto sobre o imposto, a derrama. E se a tesouraria entrar pelo vermelho, o nosso jovem, já com pouca iniciativa, poderá ter que recorrer a um banco e pedir um empréstimo para pagar impostos. E por esse empréstimo vai pagar imposto de selo, logo na abertura e ainda todos os meses quando pagar os juros.
Entretanto, deve preparar-se para pagar multas. As multas aparecem sempre. Não entregou a declaração 'x' a tempo? Multa. Não preencheu o impresso até ao dia X? Multa. Não se registou na Comissão XPTO? No instituto ACME? Atrasou-se a pagar a taxa 626? Multa. Coima. Taxa. Não sabia? Deveria saber. Está na Portaria 515/27/83-A que regula o DL 212/78, Artigo 632, alínea r). Não leu? Devia ter lido. Cuidado, as circulares internas dos serviços públicos também são lei, em Portugal.
Admita-se que o nosso jovem empresário, a quem talvez ainda sobre uma pequena réstia de iniciativa, continue a acreditar e decida criar postos de trabalho. Emprego. Chegou à feroz batalha da legislação laboral. O nosso jovem empresário ainda não sabe se vai conseguir vender amanhã o suficiente para pagar quem contratou hoje. Ganhará os concursos? Conseguirá novos clientes? Para dormir descansado e minimizar riscos, recorrerá ao trabalho a termo. Crime. A sociedade não lhe perdoará a insensibilidade, a instabilidade que causará aos trabalhadores e o nosso jovem empresário com iniciativa passará a fazer parte do patronato sem responsabilidade social que alimenta o flagelo da precariedade.
E se um dia, já habituado a ultrapassar todos os obstáculos que o estado diligentemente lhe vai colocando no caminho, conseguir dar solidez ao seu negócio e tornar-se numa das empresas que, apesar de tudo, conseguem criar riqueza em Portugal, imagine-se como é que este empresário se vai sentir quando ler na capa de um jornal do regime que, afinal, a culpa dos problemas de Portugal, não é do estado. A culpa é dele e dos que como ele não sabem criar boas empresas. Aparentemente, se não fosse a sua incompetência como empresário, Portugal seria um país melhor.
Quem quer ser empresário, em Portugal?