O desenrolar do actual golpe de Palácio - e não de Estado como hoje Manuela Ferreira Leite, erradamente, qualificou - tem permitido perceber erros reiterados de análise, cometidos pelo PS e alguns descontentes do PSD pelo facto do PSD ser o PSD:
1. A questão da atitude presidencial - o PS continua à espera que Jorge Sampaio tome uma atitude, uma posição que se veja. Pior ainda, parece assentar toda a sua estratégia nessa esperança transformada em fé. O que me parece um equívoco grave.
2. Quem lê o Blasfémias já se deve ter apercebido do profundo desdém que a personalidade de Sampaio me inspira. Julgo que o actual PR tem uma impossibilidade genética em ter uma acção firme, corajosa e desassombrada. Acredito piamente que o homem é uma reencarnação histórica de D. João VI ou uma espécie de Almirante Américo Tomás sem galões, a presidir ao fim de um regime caduco, insosso, configurado à sua imagem e adquirido à sua semelhança.
3. Donde, como já escrevi, ficaria muitíssimo admirado se Sampaio não cedesse à estratégia do golpe palaciano. Protestando, mostrando-se muito incomodado mas refugiando-se na lógica formal da CRP como todos os fracos.
4. Alguns PSD's - de que JPP será o expoente máximo - julgam que o poder também reside na sua opinião mediática. Erro. Naquele partido em que a única ideologia é o poder pelo poder, este está em quem o pode dar ou conservar. Santana Lopes pode. Aliás, talvez seja o único em condições de o conseguir. O que fará com a imensa maioria dos membros do aparelho do partido já colocados no aparelho do Estado ou com (i)legítimas expectativas de o virem a ser lhe concedam o seu apoio fervoroso.
5. O mesmo acabará por acontecer com os poucos dirigentes social-democratas que já estão para além dessa lógica de empregos - na hora da verdade, i. é num eventual Congresso, desaparecerão as dúvidas, dissipar-se-ão as inimizades antigas, as declarações afrontosas serão esquecidas e todos, mesmo todos, estarão ao lado de Santana Lopes em nome da "unidade do partido" ou de um indecifrável "interesse nacional".
6. Assim farão Marques Mendes, Ferreira Leite, Miguel Veiga e Marcelo Rebelo de Sousa e todos os outros que, por agora, se mostram enxofrados com o desfecho óbvio da golpada.
7. Quanto a JPP terá exactamente a mesma posição que assumiu nestas últimas eleições europeias - depois de ter bramido insistentemente contra a "constituição" europeia, chegada a campanha eleitoral remeteu-se ao prudente silêncio dos intelectuais acomodados. Quando Santana for primeiro-ministro será curioso verificar a "evolução" dos comentários, das críticas e dos remoques sob forma poética.