20.2.07

Consequências de uma ditadura para a ética pública

Ainda sobre a questão do Estado Novo, é muito difícil não pensar nas possíveis consequências de um sistema ditatorial para a degradação moral da sociedade:

1. O Estado Novo tinha uma estrutura piramidal imune a qualquer crítica externa. Este factor representava um risco, quer porque tudo o que era vital dependia do génio de meia dúzia de pessoas, quer porque quem estava no topo dependia da informação transmitida e das ordens executadas por aqueles que estavam longe de ser geniais ou impolutos.
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2. Não existia liberdade de imprensa, o que impedia a denúncia pública de erros da administração pública e a denúncia problemas sociais.

3. Não existia avaliação internacional da Universidade, o que garantia que o sistema universitário tinha sérios problemas de "inbreeding". Estes problemas de "inbreeding" somavam-se aos problemas de "inbreeding" do próprio governo e da administração pública povoados de gente com a mesma formação universitária, do mesmo meio social e da mesma família política.

4. A sociedade era altamente estratificada e pouco competitiva. Os juízes e o dirigentes de topo da polícia eram membros da mesma estrutura social e política que deveriam avaliar e controlar.

5. Não existia nenhum controlo da população sobre o estado. Todo o sistema dependia da virtude de um único homem colocado no topo de uma pirâmide com acesso limitado à informação e sem controlo fino sobre a forma como as suas ordens eram executadas.

6. Os mais altos dirigentes do regime, os garantes do respeito pelas regras éticas, eram responsáveis por violações grosseiras da ética (fraudes elitorais, perseguições políticas, assassinatos).

Os elevados padrões morais para se manterem têm que ser exercidos. O respeito pela palavra dada, o respeito pelos contratos, os homens impolutos são o resultado de séculos de interacção social e são uma característica da sociedade tradicional que já existia antes do estado novo. Aquilo que o Estado Novo fez foi destruir esses padrões morais ao eliminar da sociedade os mecanismos de avaliação e de controlo. Ao constituir um estado piramidal centrado nele próprio, Salazar criou o estado tal como o conhecemos e destruiu a avalição pelos pares, a concorrência social e a crítica pública.