5.4.04

OS PARTIDOS E A EUROPA

Sendo a Europa e concretamente a UE, uma das áreas mais interessantes de discussão política, pelas consequências positivas e negativas que as grandes opções poderão implicar para os cidadãos, não é, infelizmente sem surpresa, que vejo os partidos políticos fugirem da sua discussão como o Diabo foge da Cruz.

O PSD está de acordo com o Tratado Constitucional de Giscard, tendo o Primeiro-Ministro aprovado o mesmo. É certo que agora diz que serão necessárias mudanças, acertos, consensos, salvaguardas e outros etc. para encher. O PS alinha integralmente na mesma linha. Não há uma vírgula a mudar e apenas criticou a “oportunidade” perdida da sua não-assinatura por culpa dos interesses "mesquinhos" da Polónia e Espanha. Daí que a sua campanha para as eleições europeias (!!) vá exclusivamente na direcção do “cartão amarelo” ao Governo e nem sequer cruze a fronteira. O CDS, por razões óbvias tem uma “não-posição”. Tudo muito caladinho. E o PCP é contra e ponto final.

Nas margens, encontramos coisas mais interessantes. O Bloco de Esquerda é contra este Tratado, mas tem algumas ideias sobre o assunto: defende ou está aberto à criação de um Senado, como forma de equilibrar o poder interno da UE. É favorável à ideia da Europa unida, naturalmente com uma maior componente social e de "alter-globalização". E, com um outro processo político e com uma diferente finalidade, admite, em teoria, um futuro processo constitucional europeu. Sempre é alguma coisa. Sempre são algumas ideias.

A Nova Democracia também manifestou a sua posição, o que é positivo.
Num texto muitíssimo bem fundamentado e interessante sobre a Europa, Paulo Ferreira da Cunha defende, em 40 pontos, porque o Tratado Constitucional Europeu não só não é necessário, na actual fase, como o mesmo é negativo e será de evitar a sua entrada em vigor.
Devo dizer que concordo basicamente com a sua análise, seja nos pressupostos seja nas conclusões. Apenas um argumento, recorrente no texto, a defesa da existência de “Nação” e “Nações”, ao invés de simplesmente “Estados” me tira do sério, dado que entendo que tal “conceito” é simplesmente esóterico, sem qualquer tipo de fundamentação e um mero resquício de teorias tribalistas. Um outro aspecto discordante é a defesa do referendo como prática superior ao regime da representatividade. Mas isso são outras questões.

Sendo no seu todo, uma excelente argumentação para um “não” à Constituição Eeuropeia, como proposta política é insuficiente. Sobretudo pela demonstração que faz de que os principais traços de uma Constituição não escrita já existem. Muito bem. Mas existem para quê, o que é que se pretende construir, demolir, salvaguardar, etc.? Onde está o projecto político para a Europa? É que assim, a posição defendida é única e exclusivamente conservadora, no pior da sua definição. Querendo manter o que há. E dalí não saem.
Ora, entendo que um partido político, deverá ter uma visão de longo prazo, ideológica se quisermos, sobre o futuro desejável, no seu entender, para a sua comunidade e para, neste caso, comunidade mais alargada da qual também faz parte. Senão, será um navegar à vista. É uma visão de que sinto falta. Seja neste como nos outros partidos. Até em coisas bem concretas:
- De que forma o processo decisório e político deverá evoluir (ou não), para uma maior democraticidade?
- Deve a UE ter políticas e poderes reais sobre que matérias? Com que fim?
- Com que órgãos e de que forma estes deverão ser constituídos?
- Deverão os cidadãos ter maior intervenção, controle e iniciativa, por intermédio do Parlamento Europeu ou mediante os seus parlamentos estaduais?
- Deverá existir uma Comissão, de cariz administrativo, interprete e executiva das decisões do conjunto dos Estados ou ter poderes próprios derivados de uma legitimidade popular via Parlamento Europeu?
- Deve a política externa de cada Estado convergir para uma política comum? Se sim, de que forma?
- Será admissível/desejável que as instituições europeias se dotem de um orçamento e receitas próprias?
- E de forças militares e policiais?
- E o que fazer com a Política Agrícola Comum? Manter, acabar, alargar a outros sectores?
- Deverá a União Europeia ser uma organização reguladora de relações entre Estados, sendo estes os seus únicos interlocutores, ou poderão/será desejável que as regiões,(políticas/administrativas/associativas), independentemente da sua origem nacional, as empresas, as organizações sociais e os próprios cidadãos venham a ser sujeitos de relações políticas/adm./judiciais?
- Que modelo político se deseja? Estado Federal, Confederação? Estado unitário? Organização internacional? Estados independentes que cooperem em várias matérias? Nenhum dos anteriores?
- Enfim, “any idea”?