Depois de um certo zigue-zague, Sampaio fez o que tinha a fazer. Mas o tempo e o modo fizeram com que passasse a ser odiado pela Esquerda e desprezado pela Direita (nisto, creio que a sms de Ana Gomes, se bene trovata, non è vera...).
Ouvi o seu discurso pela rádio. Antecipando em três minutos a hora marcada, ultrapassando a proverbial pontualidade britânica, só ao fim de dez minutos de discurso se começou a perceber em que sentido iria a sua decisão. Rídículo o pedido de desculpas à esquerda, ridículas as ameaças ao futuro Governo, a quem Sampaio quis colocar sob a "Espada de Dâmocles", vergonhosas (meço bem as palavras) as exigências feitas no sentido de o programa do novo Governo ter de ser o programa que levou o PSD ao Governo (o governo tem, como teve, suporte numa coligação...) e absurda a exigência de manutenção das políticas que vinham sendo seguidas.
Ridículo o primeiro porque o Presidente agiu no exercício do seu poder constitucional: não precisa de justificar e muito menos de se desculpar da sua decisão. Rídícula a segunda porque se Sampaio não teve coragem para dissolver o Parlamento agora, obrviamente que a não terá no futuro (daí o desprezo disfarçado a que a Direita o votará doravante). Vergonhosas e absurda as terceiras e quarta porque, em rigor, o nosso sistema não é semi-presidencial, como muito se tem escrito, mas sim aquilo a que alguns chamam de "misto parlamentar-presidencial". O Presidente da República tem, no sistema constitucional português, mais poderes do que num sistema parlamentar puro (precisamente o poder de dissolução do parlamento, apenas limitado ao parecer não vinculativo do Conselho de Estado), derivados da sua eleição directa. Mas não tem, ao contrário de sistemas semi-presidenciais verdadeiros, como o francês, quaisquer poderes executivos ou de participação na definição das políticas do Governo. Além disso, a necessidade de mudança de algumas políticas do Governo eram sentidas quer pela oposição quer pela própria maioria. Se José Barroso se não tivesse demitido seria forçado certamente a proceder a uma remodelação do Governo dentro de pouco tempo.
Ao exigir a manutenção do programa de governo de Barroso, Sampaio torna-se o único responsável pelos próximos dois anos da Governação. Paradoxalmente, até Santana poderá justificar os seus maus actos com as exigências do Presidente!
Sem ter qualquer espécie de inside trading, estou convencido que Sampaio esteve inclinado para esta decisão desde o início. As reacções da presidência às afirmações de Barroso e de Guilherme Silva (de que não haveria antecipadas) não passaram de arrufos ou de vazias afirmações de poder.
Mas acredito que o argumento decisivo terá sido o avançado pelo ex-Presidente Ramalho Eanes: dissolvendo o Parlamento, Samapaio ficaria com poderes limitados durante muito tempo (impedido de o dissolver novamente durante os seis meses seguintes, bem como nos seis meses que antecedem o fim do seu mandato). E Sampaio não prescinde de manter o poder de dissolver o parlamento. Poder que, todavia, nunca ousará usar.