9.10.04

FOI O ESTADO

Sobre a questão dos grupos económicos e as "pressões" eventualmente cerceadoras da liberdade de expressão tenho lido algumas coisas que não se enquadram com a realidade, quer quanto ao "caso" Marcelo, quer em plano abstracto.

Entre nós, a liberdade de expressão não é, nem foi, posta em causa por acção de um grupo económico privado, nem os perigos derivam da eventual prática concertada de vários deles.

Desde que me lembro, as "pressões" que fragilizam a nossa liberdade de expressão são oriundas da mesma organização: o Estado.

Foi o Estado que dominou os órgãos de comunicação social durante o salazarismo, docilizando os jornalistas no seu pio regaço.
Foi o Estado que conseguiu que grande parte da imprensa se entusiasmasse com a "primavera" marcelista.
Foi o Estado que controlou a comunicação social durante o PREC, antes e depois da nacionalização de muitos órgãos de comunicação social.
Foi o Estado que pintou de socialista a maioria da imprensa durante o soarismo.
Foi o Estado que os voltou a colorir, agora de laranja, no decurso do cavaquismo.
Foi o Estado que fez com que a PT se transformasse no grande patrão da imprensa portuguesa (como dizia Borges, "que mão atrás da mão...").
Foi o Estado que incentivou e criou uma série de organismos inúteis que fingem "regular" as boas práticas do jornalismo de que o exemplo mais eunuco é a Alta Autoridade Não Sei de Quê.
É o Estado, ontem e hoje, que manipula, usa e abusa da comunicação social e fragiliza os seus agentes perante os caprichos do poder.
Quem ocupa o poder político neste Estado sabe que tem a possibilidade de dominar aquilo que se publica - e nenhum grupo ou partido, até hoje, recusou fazê-lo ou aceitou mudar as regras para esse costume cessasse.

Se os grupos económicos privados pudessem funcionar num mercado livre, naturalmente estariam em concorrência e só aí poderia assentar a verdadeira liberdade de expressão.
Como o mercado é controlado pelo Estado, directa e indirectamente, os demais agentes têm de se sujeitar. A concorrência acontece em temas menores (locutores, escândalos, concursos, transmissões desportivas) - mas quando estão em causa questões prementes para os senhores do Estado, esta organização impõe-se e dita os comportamentos.

Tal como nos demais problemas deste país, na comunicação social tudo parte do desmesurado poder do Estado, da sua utilização de má fé e da inexistência de mercado livre.