15.10.04

A regulação reduz o pluralismo II

Agradeço a resposta de Vital Moreira ao meu último post sobre pluralismo e regulação. Respondo de seguida aos dois primeiros pontos levantados por Vital Moreira. Tentarei responder aos restantes mais tarde.

1. O "numerus clausus" de estações de televisão por via hertziana têm a ver, segundo creio, não somente com os limites do espaço radioeléctrico mas também com a insustentabilidade comercial de mais canais. A futura televisão digital não supera esta segunda limitação.


A sustentabilidade económica de uma estação é de facto um limite físico ao pluralismo se não existirem barreiras à entrada. O problema é que é o estado que institui as tais barreiras que impedem a entrada de novos operadores com o argumento da insustentabilidade comercial. Trata-se portanto de uma barreira política e não de uma barreira física.

O estado opta deliberadamente por garantir o lucro de 2 operadores privados. Ora, o lucro garantido é incompativel com a economia de mercado, na qual os riscos devem ser assumidos pelos empreendedores. O estado, na sua imensa sabedoria, opta por se substituir os empreendedores na tarefa de determinar o que é que tem lucro. E assim, o número de operadores que o mercado comporta é determinado a priori pelos burocratas, em vez de ser o resultado da livre concorrência, pelo sucesso e pelo fracaso dos empreendedores. Um mercado sem falências é um mercado que não funciona.

Não percebo porque é que o lucro deve estar garantido numa actividades e não noutras. Porque é que o estado não limita também o número de canalizadores, de mulheres a dias, de cafés ou de padarias a pretexto de lhes garantir o lucro? Afinal, o estado já garante o lucro dos médicos e dos farmacêuticos, garantindo-lhes uma reserva de mercado e limitando o acesso ao mesmo, nomeadamente através do controlo do número de licenciados e de privilégios na propriedade das farmácias.

Ora, quais são as consequências da política de lucro garantido na comunicação social? O lucro garantido é incompatível com a concorrência ou o pluralismo. Como existem barreiras políticas à entrada, o estado passa a ser o garante de uma reserva de mercado para os operadores que já existem. Estes não precisam de se preocupar com a entrada de novos concorrentes e acabam por viver num oligopólio garantdo pelo estado. A concorrência inovadora, que normalmente aparece de novos players, não tem qualquer hipótese de aparecer e de suplantar os players existentes. Os players existentes não precisam de inovar nem de responder a novos desafios porque têm o lucro garantido. O número de players é muito menor que o que podia existir porque as empresas não têm nenhum incentivo para inovar, para reduzir custos e para encontrar formas mais económicas de produzir o mesmo produto. Como o número de plyers é menor, o pluralismo é obrigatoriamente menor.

O argumento da "insustentabilidade comercial" pressupõe um mercado estático em que os empreendedores não têm novas ideias sobre como usar novas tecologias para reduzir custos. Parte do princípio que os burocratas do estado conseguem determinar o que é sustentável. Não conseguem. Se conseguissem não seriam burocratas do estado, seriam empreendedores e estariam agora à procura de estratégias de negócio inovadoras.

É muito curioso que o lucro garantido e o pluralismo façam parte da mesma teoria da regulação. Estes dois objectivos são incompatíveis um com o outro. Tudo o que se fizer para garantir o lucro prejudica o pluralismo.

2. Os canais regionais não são alternativa aos canais nacionais em termos de pluralismo de opinião. Este deve aferir-se face aos mesmos auditórios. Uma rádio de Alguidares de Baixo não concorre com a TSF.


Este é um argumento que está em contradição com o anterior. Se as TVs regionais não concorrem umas com as outras, então as TVs regionais não prejudicam a rentabilidade das TVs nacionais.

E também não se pode afirmar que os canais regionais não contribuem para o pluralismo de opinião argumentando que as TVs regionais não concorrem com as nacionais. Se não concorrem com as nacionais é porque têm um produto radicalmente diferente, mais virado para o mercado local, o que por si só é um contributo inestimável para o pluralismo. Um sistem que tenha a TSF e 100 rádios locais é mais plural que um sistema que tenha a TSF e a Antena 1, que tendem a ser clones uma da outra.

Um conjunto de 10 televisões regionais contribui muito mais para o pluralismo que uma televisão nacional porque:

- passa a haver diversidade regional. As ideias que não estejam representadas em Braga podem estar representadas em Faro, e vice-versa. As TVs locais podem funcionar como um viveiro de ideias, a concorrência entre ideias com origem em regiões diferentes e a sua difusão simultânea no cabo, nos jornais e através da iternet pode influenciar a vida pública a nível nacional.

- o ponto de vista local passa a ter representação na televisão de sinal aberto em contraponto com o ponto de vista das televisões nacionais. A vida nacional não precisa de estar centrada em Lisboa. Um sistema com 3 canais nacionais centrados em Lisboa e 10 locais, cada um deles centrado na sua terrinha, é muito mais plural que um sistema com 4 canais nacionais centrados em Lisboa.

- s TVs locais podem funcionar como um viveiro de novos talentos, à semelhança do que tem acontecido com a SIC-Radical e com as rádios locais. Isto contribui para a diminuíção das barreiras á entrada no debate público de novos comentadores estranhos aos círculos políticos lisboetas.

(continua - responderei às restantes questões levantadas nos próximos dias)