29.4.05

Responsabilidade Civil do Estado

José Sócrates prometeu esta manhã estar para breve, no âmbito das suas reformas da Justiça, a aprovação da lei da responsabilidade extracontratual do Estado, a qual, presumo, obrigará o Estado a indemnizar os danos que cause aos cidadãos. Tal lei vem sendo adiada pelo contributo negativo que dará ao equilíbrio das contas públicas.
O número de vezes que o Estado causa prejuízos aos cidadãos é inimaginável, frequentemente pelo que não faz e devia fazer. Um dos exemplos mais flagrantes é a não transposição atempada de Directivas Comunitárias para o Direito Português.
Sobre esta questão - e mesmo sem uma lei geral da responsabilidade do Estado - pronunciou-se recentemente o Tribunal da Relação do Porto, num interessante acórdão de 7 de Abril.

A história é a seguinte: o texto do código civil (art. 508.º, 1) limitava o montante das indemnizações nos casos da chamada responsabilidade civil objectiva (responsabilidade sem culpa ou pelo risco), em caso de morte da vítima, ao dobro da alçada da Relação (actualmente, a alçada corresponde a 3000 contos, pelo que a indemnização máxima a pagar nestes casos seria de 6000).
Em 1995 terminou o prazo para o Estado Português transpor uma directiva comunitária (de 1983) que obrigava a acabar com aquele limite. A transposição só foi realizada de modo claro em 2004.
Entre 1995 e 2004 foram julgados dezenas de casos de acidentes de viação, em que a sorte das vítimas (ou das seguradoras) dependia da interpretação que os juizes tribunais superiores fizessem da lei em vigor. Para uns, não se aplicava o limite da indemnização (em virtude de uma revogação tácita resultante da lei do seguro obrigatório, de 1985...) para consolo do lesado, para outros, o limite continuava a vigorar (para júbilo da seguradora).
Algumas das vítimas azaradas (que foram apanhadas pelo limite, então de apenas 4000 contos), num acidente de que resultou uma morte, apesar de terem provado danos superiores a 30000 contos, receberam apenas os 4 mil da praxe. Culpa? Do Estado legislador (que demorou quase 10 anos até tornar a lei clara) e do Estado julgador (que, duarante os mesmos 10 anos, ziguezagueou nas suas decisões).
Por isso mesmo, aquelas vítimas accionaram o Estado e exigiram deste o pagamento daquilo que o mesmo Estado as impediu, por incúria, de receberem da seguradora responsável.


Resultado: o Tribunal da Relação do Porto entendeu que o Estado era culpado e condenou-o a pagar aos lesados 145.158,18 euros, acrescidos de juros...
Esta história não terá, em qualquer dos casos, final feliz. A decisão da Relação deverá, certamente, ser ainda apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Mesmo que o STJ a confirme, os 145.158,18 euros (mais juros) sairão do bolso de todos os contribuintes e não do dos seus responsáveis directos.
Um dos Ministros da Justiça durante o perído em causa veio há dias reconhecer que o seu conhecimento da lei é (era) de ouvir dizer e que, por isso, se enganou numa proposta de alteração legislativa que apresentou. Que o erro (e o seu reconhecimento) sirva de incentivo para diminuir a ignorância da lei, que, como é sabido, só não aproveita ao cidadão comum.