29.12.05

CONTRA O COSTUME...

... discordo do artigo de Pacheco Pereira (Público, sem link). Por várias razões, algumas das quais aqui resumo:
- Onde JPP vê, com aparente surpresa, um movimento genérico de interesse jornalístico e intelectual pela figura de Bento XVI eu apenas enxergo uma campanha global de relações públicas magnificamente dirigida pela sua organização eclesiástica, destinada a atenuar a péssima imagem pública de Ratzinger e com o fito de separar a sua figura da do actual Papa (?!);
- Os «trajectos» reencontrados que cita (por exemplo, entre nós, o da revista "Nova Cidadania" e o do seu director) parecem-me quase pueris - basta verificar qual é a instituição que suporta a revista e os seus animadores;
- Também, quanto a estes, não creio que a sua descoberta do «caminho comum» do «pensamento cristão» seja assim tão recente se pensarmos em César das Neves, João Carlos Espada, Mário Pinto ou Maria de Jesus Barroso, para só citar alguns autores habituais - em todo o caso, essa tendência para conciliar o fundamentalismo católico (agora com nova embalagem) com uma atitude reflexiva formalmente política é bastante anterior à pretendida metamorfose de Ratzinger em Bento XVI;
- Daquilo que JPP concluiu, a meu ver, ressalta que o Vaticano está lucrar significativamente com o medo omnipresente de um Ocidente que se sente acossado e sem um arrimo seguro que o ampare - típico sentimento das épocas de transição - pretendendo inconscientemente refugiar-se na concha das suas pretensas origens valorativas e intelectuais;
- Mas isso é estratagema antigo, técnica já usada e abusada em muitos outros tempos de mudança por essa mesma organização;
- Mas aquilo que mais estranheza me causou foi o elogio ao "disfarce" natalício de Bento XVI - não me importa nada se esse "camauro" era ou não usado por outros Papas de antanho: o que interessa é que este Papa fez um papel tristíssimo ao pavonear-se nesta quadra embarretado daquilo que toda a humanidade actualmente reconhece como um adereço de uma farda de Pai Natal;
- Ao ver Bento XVI na televisão, há dias (e tentei nem sequer fazer disso menção neste blogue), recordei um Professor meu que avisava sempre que «existiam certas figuras ridículas que um Doutor em Direito nunca poderá fazer» - quero crer, mutatis mutandis, que um Papa também não;
- É que, quer Ratzinger goste ou não, nem tudo aquilo que era usado nos séc. XV ou XVI assenta bem no séc. XXI...
- Confesso, entristecido, que este artigo, a espaços, me fez lembrar um outro bastante célebre do já referido João Carlos Espada em que este tentava sintetizar o "liberalismo" mediante uma análise épica de um filme do Harry Potter;
- Pois em verdade vos digo, que a propaganda afecta decisivamente mesmo aqueles que se julgam acima dos seus efeitos.