O meu avô materno ainda era vivo e a família aproveitava o Natal para se juntar à sua volta. A viagem até ao casarão setecentista, embora distasse apenas 130 km do Porto, demorava horas e exigia preparação. Esta denotava-se nos protestos de meu pai que antecipavam a flagelação do caminho. As estradas eram de traço novecentista com um piso tantas vezes remendado quantas as lombas e os solavancos com que éramos brindados. Depois de Vila Pouca a coisa piorava. Era uma quase viagem no tempo - do fontismo transitávamos para as obras do Marquês e daí, directamente, para a Idade Média. As últimas centenas de metros até à porta da casa eram épicas. O meu avô assegurava que se tratava de um pedaço de uma velha estrada romana mas o meu pai garantia, ruidosamente, que os romanos eram um povo civilizado que nunca fariam um carreiro tão mal amanhado.
Lá chegados o meu sonho começava. Correrias com os primos, expedições aos recantos da quinta, excitantes demandas pelos mistérios imaginados da casa, o espanto respeitoso e sempre renovado perante o capacete e a máscara de gás que o avô tinha trazido da Grande Guerra e as histórias que ele contava, sempre sorrindo.
Depois da ceia íamos para uma cozinha toda em pedra que evocava uma capela abandonada onde, acolhedoramente, uma lareira enorme servia de centro. Conversávamos e cantávamos como só se fazia naquela noite.
Então, a tia de quem eu mais gostava lia "O Suave Milagre" aquele conto de Natal tão doce que só poderia ter sido escrito por quem sabia que o mundo não era assim:
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Depois o meu avô morreu e os Natais nunca mais foram iguais. E eu cresci e percebi que ainda que as coisas do Natal não sejam verdade há uma altura da vida em que temos de o viver como se o fossem. Para, pelo menos, ficar a quente lembrança daquilo que julgávamos que o Natal seria.