O politicamente correcto dos tempos que correm manda-nos respeitar cegamente as convicções dos outros. Os outros acreditam convictamente que chamar Maomé a uns rabiscos é a suprema blasfémia. Logo, se chamarmos Maomé a uns rabiscos e, na sequência desse acto irreflectido, um qualquer jovem islâmico indignado em justificada acção de protesto matar uma dezena de seres humanos num autocarro em Bruxelas, a culpa é nossa. Não faz sentido responsabilizar fundamentalistas islâmicos, até porque eles já estão cansados de nos alertar para as graves consequências das nossas atitudes provocatórias.
É dos outros que se escreve neste post. Quando falamos dos outros não devemos esquecer os outros todos. Não há só muçulmanos indignados com rabiscos de Maomé. Há muitos outros seres humanos que se indignam com alguns actos, aparentemente banais para um europeu ignorante, mas que se constituem em verdadeiras blasfémias à luz das crenças alheias.
Por exemplo, não nos devemos esquecer dos seguidores dos cultos sincréticos, que incluem crenças como o Voodoo, a Macumba ou o Cadomble. Temos todos alguns deveres a cumprir. Para lá de não roubar, mentir, desonrar parentes ou cometer suicídio (sujeito a pena de morte) é absolutamente proibida a prática de magia maligna. Por exemplo, devemos acabar com essa mania ocidental de assar frangos, acto que pode ser considerado absolutamente execrável, principalmente se o frango se chamar Obatala. Obatala é o Deus dos Deuses sincréticos e tem no seu currículo diversos factos muito positivos, dos quais convém destacar a criação da raça humana, acto considerado decisivo, sabe-se hoje, para o aparecimento dos blogues.
Também temos um pequeno problema com o Papa Legba, que está a meio caminho entre nós e os outros deuses. Qualquer humano que se preze, em qualquer época, é inferior na hierarquia ao Papa Legba. Na prática, Legba até foi chefe de Maomé. Todos os outros humanos vivos e mortos, incluindo os imãs e os Talking Heads, reportam também ao Papa Legba pelo que o culto de Alá é uma abusrda blasfémia que só pode e deve ser punida. Se um dia houver fundamentalistas sincréticos, a coisa fica negra. Não nos devemos admirar se o telejornal mostrar a queima de bandeiras do Irão em Port-au-Prince.
Estes sincréticos são porreiros porque organizaram a coisa lá em cima como um governo. Xango é o Deus da Justiça e da Dança e é marido da Oxa, que tem o pelouro dos Trovões, Tempestades e Cemitérios. Oxum também tem muitos pelouros, nomeadamente o da Agua (que, garante-nos, não será privatizada), o dos Rios e o do Amor e Sensualidade. A Yemaja é a deusa dos Oceanos e o Ogum trata das Florestas e da Caça. (o advogado de Dick Cheney já experimentou na pele a consequência da falta de devoção a Ogum)
O respeito que devemos a estes deuses leva-nos a ter que considerar algumas alterações comportamentais e administrativas. Por exemplo, o acidental Rodrigo Moita de Deus deve mudar de nome. Qualquer humano que proclame ser Deus está a cometer uma terrível blasfémia para um crente sincrético. Nunca se sabe quando é que um fundamentalista voodoo decide furar com agulhas um boneco de trapos, causando horríveis dores ao Rodrigo, tão intensas e torturantes que não há aspirina-B que o alivie.
Não são apenas estas religiões afro-americanas e estes deuses que devemos conhecer para evitar o insulto gratuito para com as crenças dos outros. Por exemplo, os jainistas, que se reclamam tão pacíficos como os islâmicos, sugerem-nos que andemos com a face coberta para evitar respirar insectos sagrados. Até hoje ainda não apareceu nenhum Sadhu a imitar um Imã, mas nunca se sabe o que o amanhã nos traz. A inspiração de insectos, mesmo involuntária, ainda pode vir a dar origem a uma fatwa jainista. E se tal acontecer, a culpa é nossa. Nós é que andamos a respirar os insectos sagrados. Não digam que não foram avisados.
Outro problema a considerar ralaciona-se com o Yezidismo curdo, um primo próximo do islamismo. Para eles não há qualquer problema em desenhar o Maomé himself que também é um dos seus profetas a par de Adi Musafir, e se lhes pedirmos até nos emprestam os lápis e riem connosco. O que os faz ficar possessos de raiva colérica é vestir de azul, comer feijões, alfaces, peixes variados (simples ou em rodízio) e carne de gazela. Convém ter em atenção que os yezidistas também têm os seus mulahs, tal e qual os talibãs e mulah é mulah. Recomenda-se muito cuidado e pensar 3 vezes antes da próxima sardinha assada. Lembrem-se, se rebentar uma bomba na lota, a culpa é nossa. Ninguém nos mandou desrespeitar as crenças dos Yezidis.
Devemos lembrar-nos sempre dos pacíficos Baha'i. E devemos ter muito cuidadinho com o nosso comportamento, que poderá deixar um bahaista seriamente incomodado. Neste caso particular, o que devemos esquecer é o sexo extraconjugal e a homossexualidade. Temos pena, mas tem que ser, em nome da sã convivência ecuménica. Todos sabemos que são as nossas constantes provocações que causam o fundamentalismo. Agora damos-lhe Brodeback Mountains, depois não se queixem que o acumular de humilhações traga bombas para homosseuxais/adúlteros ou passageiros do autocarro 22.
Nunca nos devemos esquecer dos fiéis seguidores do profeta Zaratrusta. Os zaratrustistas, mais conhecidos por zoroastrianistas, acreditam que os mortos devem ser deixados ao ar livre para servir de manjar a abutres. Os abutres também têm direitos. Nós, humanos, nem imaginamos como é triste ser abutre e esticar a asa sem nunca ter depenicado um fígado, um baço ou uma mioleira bem assada ao sol dos Verões quentes. Corremos um grande risco, no ocidente. Corremos o risco de enterrar por engano um praticante zoroastrianista, o que pode deixar em fúria um clérigo zoroastrianista que declarará uma guerra santa contra os enterradores de cadáveres - uma verdadeira falta de respeito, uma blasfémia, um insulto ignóbil para com o Avestas, o livro sagrado. Isto até pode ser 10 vezes mais grave que desenhar uns rabiscos e chamar-lhes Maomé. Mais uma vez, não digam que não foram avisados. Se alguma coisa der para o torto, a culpa é nossa e dos nossos revoltantes cemitérios, desrespeitadores das crenças de outros povos.
Para finalizar, uma nota à atenção do senhor primeiro-ministro. Diz-se que há uma religião, não sei bem se na Antártida ou se na Gronelândia, em que consta nos livros sagrados que é um horrível insulto, a mãe de todas as blasfémias, ter ministros chamados Diogo. Senhor primeiro-ministro, não os provoque e em nome da nossa segurança, aja em conformidade.