10.2.06
SOBRE A CEGUEIRA VOLITIVA QUE A IDEOLOGIA IMPÕE
Em 1992 um governante português (que depois se destacou por andar a plantar cruzes luminosas por todo o lado) decidiu afastar uma obra de José Saramago de um concurso por considerar que esta «atacava o património religioso dos portugueses» e que os «dividia» de modo «irresponsável». Na altura estive do lado do escritor que, aliás, fez questão de se vitimizar até à exaustão.
O paralelo deste caso com a crise dos cartoons é, hoje, muito bem achado por João Miguel Tavares, no DN (ainda sem link).
Acontece que o próprio Saramago parece repudiar o núcleo duro dos princípios em nome dos quais tinha pugnado. Hoje, também, no Público (sem link), profere uma extraordinária declaração de condenação dos cartoonistas dinamarqueses, considerando-os «irresponsáveis» e defendendo que «a liberdade de expressão tem limites» que são impostos pela «realidade crua». Continua a sua senda falando no parâmetro do «senso comum» (não se percebe quem o definirá ou o imporá) e fazendo a apologia da «verdadeira responsabilidade».
É completamente desarmante a similitude dos argumentos do Saramago de agora com o governante de então que o censurou. Aquilo que Saramago hoje apreogoa a propósito dos cartoons é uma analogia quase perfeita com o que lhe foi apontado pelos seus detractores em 1992.
A grande diferença é que ninguém proibiu os seus livros. Ou os queimou. Ou ameaçou publicamente o seu autor. Ou ofereceu dinheiro a quem lhe tirasse a vida.
Porque deste lado do mundo, que Saramago tanto parece odiar mas onde prospera e diz o que lhe apetece, esse tipo de reacções não são admissíveis. E, felizmente, tudo pode ser dito e defendido (apesar dos protestos dos discordantes). Mesmo as maiores incoerências, os dislates mais aberrantes e as ofensas à verdade mais ultrajantes, como são muitas das coisas que esta lamentável personagem diz e vive.