16.5.06

Os portugueses, esses calaceiros...

A propósito deste comentário do leitor AJFiel:

Nós temos uma incorrigível tendência para a auto-flagelação e menorização e nada a retrata melhor do que a lamechice e derrotismo do fado. Acontece que, ao longo da História, poucas oportunidades tivemos de libertar as nossas energias criadoras. Em Portugal, o Estado antecedeu a Nação e talvez resida nisso a pedra de toque das nossas seculares incapacidades. Todas as nossas grandezas e misérias tiveram, para o bem e para o mal, o Estado como agente dinamizador, eterno timoneiro de visão grandiloquente a conduzir as massas, supostamente incapazes de se orientarem por si próprias.###

Muito daquilo que hoje somos, frequentemente retratados como velhacos, novos ricos, invejosos ou miserabilistas, resultam de valores que nos são permanentemente incutidos a partir de cima. Todas as atitudes que presenciamos no dia a dia e que são bem elucidativas da nossa pequenez, não passam da mera transposição para a esfera individual de idênticos comportamentos a um nível e dimensão mais elevados.

Queremos ter o televisor ou o telemóvel tão bom ou melhor do que o vizinho; o Estado quer o TGV para não ficar atrás de Espanha. Ambicionamos a casa mais espampanante do Algarve; D. João V deu-nos o exemplo com o convento de Mafra, Cavaco e Sócrates foram-lhe na esteira com o CCB, a Expo 98 e os estádios. Mobilizamos energias na caça ao subsídio que o Estado nos incentivou a pedir e que delapidamos em Jeeps e Mercedes em vez de produzir; o mesmo Estado, apresta-se agora a delapidar milhões de subsídios europeus na megalomania da Ota. Ficamos emproadíssimos com os eventos grandiosos que conseguimos organizar ou vivemos intensamente os folhetins futeboleiros; o Estado é o principal promotor da política-espectáculo, que tranforma recorrentemente em desígnios nacionais, em prol da ?imagem? e do ?prestígio? do país no exterior. Recorremos ao endividamento para financiar o ócio em resorts tropicais; o Estado aumenta os défices há décadas para financiar a ociosidade assistencialista.

Um sistema deste calibre gera naturalmente revoltados, os eternos contribuintes do laxismo reinante. Uns mais fatalistas, confinados a uma apagada e vil tristeza, sem quaisquer perspectivas de crescimento, bloqueados por uma tirania fiscal que lhes suga mais de 50% dos rendimentos; outros mais dinâmicos, votam com os pés e vão procurar a felicidade noutras paragens.

Representam estes últimos a ínfima minoria que se consegue libertar do espartilho do Estado e tirar proveito das suas energias criadoras. Vão desde o analfabeto que atravessou a fronteira nos anos 60 apenas com a roupa que levava vestida, ao quadro superior qualificado, cuja ambição fica bloqueada pela voracidade paralisante do Estado. Qualquer deles, em ambiente verdadeiramente competitivo, ombreia com os melhores ao respectivo nível, subindo na vida apenas à custa do trabalho e mérito próprios.
Não são, no fundo, diferentes dos que cá ficam. Não são génios nem deficientes. Apenas se integram e dão o melhor de si mesmos em sistemas mais abertos e transparentes, que premeiam o esforço individual e sancionam o parasitismo. Todo esse potencial, dos que vão e dos que ficam, poderia ser utilizado dentro de portas, tivessemos um Estado que abdicasse do poder em favor dos cidadãos.