14.10.06

FAQ para ajudar a esquerda a perceber o liberalismo

Respondendo às dúvidas do Daniel Oliveira.

Então ontem aquilo do nobel é que foi uma grande derrota para o liberalismo, heim?

Como assim?


Bem, é que se o capitalismo funcionasse o Grameen Bank não seria necessário.

Não estou a perceber a incompatibilidade. O Grameen Bank é uma instituição da sociedade civil perfeitamente compatível com uma sociedade liberal.
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Mas o Grameen Bank é uma espécie de ONG, tem como objectivo ajudar os pobres e as mulheres. De certeza que vai contra o que vocês dizem sobre o egoísmo e essas coisa das empresas. Como é?

O liberalismo limita-se a defender a liberdade de cada um. O que cada um faz com essa liberdade está sempre bem. O Bill Gates tanto contribui para o bem estar de todos sendo egísta e ganhando dinheiro a vender software como contribui para o bem estar de todos sendo generoso através da Bill & Melinda Gates Foundation. A propósito já foi ao site da novissima Fundação Champalimaud? A Fundação Champalimaud está a ajudar a combater a cegueira no mundo. Parece que o fundador foi um explorador da classe operária.

Mas se o capitalismo funcionasse o Grameen Bank não seria necessário para nada, não é?

O Grameen Bank é o capitalismo a funcionar. Existe um problema, existe um pessoa com iniciativa, existe liberdade mínima para a realização de uma iniciativa, a iniciativa aparece. O que é importante é que é uma iniciativa da sociedade civil que se mantém sustentada nos próprios juros que cobra e, até há pouco tempo, em contribuições voluntárias.

Mas as contribuiições voluntárias provam certamente que o capitalismo não funciona, certo?

Nope. O capitalismo não é incompatível com doações voluntárias. O capitalismo é o sistema económico que resulta da liberdade económica. O direito de fazer doações é parte integrante da liberdade económica.

Mas o Grameen Bank não pertence a banqueiros feios e maus (tipo Mellos e Champalimauds), pertence ao povo do Bangladesh. O que me tem a dizer a isto?

O capitalismo baseia-se na liberdade económica. Não há nada no capitalismo que proíba a posse de bancos pelo povo. Aliás, é prática comum. Qualquer pessoa pode comprar acções de bancos e tornar-se banqueiro. Já reparou naquele anúncio do Montepio? A propósito, sabia que o Montepio ainda se diz uma associação mutualista?

Associação mutualista?

As associações mutualistas eram muito populares no século XIX. A associação protegia os membros na velhice ou na doença. A existência de associações mutualistas no século XIX é uma prova de que a sociedade civil se consegue organizar para prover o mesmo serviço que a Segurança Social é suposto prestar.

Mas isso não é comunismo?

As associações e as comunas de adesão voluntária são uma manifestação da liberdade económica. Nunca poderão ser incompatíveis com o liberalismo ou com o capitalismo.


Mas voltando ao Grameen Bank, o banco não tem lucro, como é que pode ser um exemplo de capitalismo?


O capitalismo é apenas o sistema económico que resulta da liberdade individual. Nem todo os indivíduos trabalham por lucro monetário. No entanto, o lucro numa actividade destas é importante porque quanto maior for o lucro mais pessoas o banco poderá ajudar no futuro. Por isso, a alegação de que o banco não tem lucro joga contra os críticos do capitalismo. Se não tivesse lucro, mais tarde ou mais cedo estagnaria e a sua área de actuação ficaria limitada.

Grameen Bank tem lucro, e de qualquer das formas parece estar a captar cada vez mais depósitos. É isto que lhe permite ajudar cada vez mais pessoas. Mas se não tivesse lucro não seria incompatível com o capitalismo. Existem muitas instituições capitalistas sem lucro. O problema é que com o tempo tornam-se irrelevantes.

Mas a existência do Grameen Bank não prova que os bancos tradicionais não servem?

Isso é totalmente irrelevante. O capitalismo não é o sistema económico dos Mellos e Champalimauds nem o sistema económico dos grandes bancos. O capitalismo é o sistema económico que resulta da liberdade de iniciativa e de escolha. Numa sociedade livre, os indivíduos não têm apenas liberdade para abrir grandes bancos. Têm liberdade para fazer tudo o que lhes apetecer, inclusive coisas como o Grameen Bank. O Grameen Bank é mais uma prova do poder criativo do capitalismo. Se existir uma oportunidade surgirá uma instituição.

De que forma é que o Grameen Bank prova a superioridade do capitalismo?

Por uma lado, o Grameen Bank mostra que as instituições da sociedade civil podem combater a pobreza de forma sustentada e eficaz, ao contrário das instituições públicas que vivem de impostos e que têm incentivos para não resolver o problema para que foram criadas.

Por outro lado, a experiência do Grameen Bank mostra que a melhor forma de tirar as pessoas da pobreza não é através de programas assistencialistas mas sim através de programas que transformam as pessoas em empresários com capacidade para produzir a riqueza de que precisam. O Grameen Bank prova que a melhor forma de resolver o problema da pobreza é com mais capitalismo e não com menos.

Mas o Chavez também defende o microcrédito. Será que agora os liberais são chavistas?

O Chavez não é propriamente um membro da sociedade civil. É um proto-ditador que compra votos com subsídios. Não se deve confundir um sistema chavista sustentado por dinheiro público com o Grameen Bank. Não é bem a mesma coisa e os resultados também não serão os mesmos. O Grameen Bank funciona porque para ser uma actividade sustentável tem que fazer uma gestão responsável dos seus recursos o que passa por obrigar as pessoas que recebem os empréstimos a comportarem-se de forma responsável. Esse incentivo desaparece no micro-crédito populista a la Chavez.