29.4.07

O perfeito é um tempo passado*

Todos os anos chegados a esta época se colocam várias dúvidas em torno das celebrações do 25 de Abril. E a propósito dessas dúvidas evoca-se, quase invariavelmente também, o carácter lugúbre das outras celebrações do calendário político português, o 1º de Dezembro e o 5 de Outubro. E discute-se muito o que há-de fazer-se para evitar a banalização dos factos que nos deram estes feriados. ###
Não sei como se poderá manter viva a memória do passado mas tenho certeza de que o tempo apagará algumas destas datas e acrescentará outras.
É à História que o calendário laico vai buscar as suas datas sagradas. E no caso português não é a uma História qualquer: é sobretudo a mais recente que se destaca. O 25 de Abril remonta a 1974, o 5 de Outubro a 1910. Quanto ao 1 de Maio, na versão política, chegou apenas no final do século XIX – já na versão de celebração religiosa tem um lastro de séculos! – e se é verdade que o 10 de Junho remete para a morte de Camões, em 1580, e o 1 de Dezembro para a Restauração da Independência, em 1640, o carácter de celebração nacional que está associado a estas duas datas está muito mais ligado à crise provocada pelo Ultimatum na sociedade portuguesa do século XIX do que aos factos que se pretendem assinalar.
A natureza humana da História justificará que os factos sobrevivam menos nos calendários do que os santos e que a condição de feriado nacional seja muito mais atribulada e volátil do que a de feriado religioso. Em alguns casos a opção por celebrar um santo pode revelar-se a melhor forma de evitar conflitos políticos. Por exemplo, o dia da cidade de Lisboa, que agora se faz coincidir com o 13 de Junho, dia de Santo António, já foi celebrado noutras datas, nomeadamente a 13 de Maio, dia que para uns assinalava o nascimento do Marquês de Pombal e para outros o início da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques. Entre o muito que separava os que celebravam cada uma destas efemérides, Santo António ficou de pedra e cal.
Pode até nem ser necessário que o regime mude para que mude a atitude perante uma data: o 1 de Maio, cujas celebrações eram proibidas em Portugal após a II Guerra, foi celebrado grandiosamente na fase de afirmação do Estado Novo e do corporativismo como a Festa do Trabalho Nacional.
Hoje, em 2007, não sei o que nos angustia mais: se vermos transformado num mero feriado aquilo que para nós foi um marco ou se o vazio que enfrentamos quando, olhando para o futuro, nos perguntamos que outras datas e que outros factos irão ser assinalados nos calendários dos nossos filhos e dos nossos netos. Ou recorrendo à definição de Rui Tavares para o dia 25 de Abril de 1974, quais serão os dias perfeitos do futuro de Portugal?

*PÚBLICO 26 de Abril