25.4.07

O que é a liberdade de expressão? (1)

Tem limites?

Tem. Actualmente aqueles que estão genericamente estabelecidos nas legislações das democracias - designadamente, as calúnias, as injúrias e as mentiras desde que criminalmente previstas. Mas, também, a liberdade de expressão nunca poderá significar, por exemplo, a defesa de ideias que se concretizam em apelos à limitação dos direitos fundamentais de um indivíduo ou de um grupo. Nem na defesa da violência e ou na glorificação do homicídio – isso não é a mera expressão de opinião livre, antes consubstancia um crime.
Por outro lado, existe um direito de legítima defesa no conceito de liberdade de expressão: ou seja, seria contraproducente que se aceitasse, pacatamente, no seu conteúdo as lógicas e os comportamentos cujo intuito principal fossem atingir fatalmente o núcleo duro dessa liberdade. Seria uma atitude pueril, a mesma da fábula da râ que aceita transportar o escorpião nas suas costas tanta era a sua amabilidade...
Por sua vez, a crítica, por mais feroz que seja, a sátira, por mais caricatural que se apresente, seja em matéria de religião ou qualquer outra, é legítima e deve ser exercida. Ainda no tempo do antigo regime o cartonista português, José Vilhena, foi acusado criminalmente por ter caricaturado Salazar - curiosamente, o seu advogado foi um ex-ministro do regime, José Hermano Saraiva, que fez uma defesa que fez história: "o direito ao riso é um direito natural".

A nossa civilização conseguiu alcançar um acervo de direitos que se tornaram pressupostos sine qua non da nossa existência colectiva - abdicar deles em nome de uma falsa sensação de segurança é um erro crasso que só o excesso de medo pode motivar. As revoluções inglesa, americana e francesa mudaram o nosso mundo também por causa da sequência lógica crítica-riso-reflexão.
Os direitos fundamentais entranharam-se na nossa cultura (apesar das lamentáveis excepções) e muito graças a muitas críticas e ao riso que estas suscitavam e que deles foram percursores e caminho: Dante, Gil Vicente, Camões, Shakespeare, Molliére, Goethe, Vítor Hugo, Herculano, todos usaram a crítica e o humor de modo aceso e polémico.
Esta reflexão foi especialmente oportuna por ocasião dos protestos islâmicos a propósito das caricaturas de Maomé. E a conclusão foi simples: os nossos avanços civilizacionais não podem ser ignorados e afastados porque aqueles que nem sequer fizeram a higiénica separação de águas entre a religião e o Estado se podem sentir ofendidos. Os cartoons foram publicados em países não-islâmicos de acordo com as leis e a cultura desses países.
Como, na altura, lembraram Pedro Mexia (Estado Civil) e Vasco Graça Moura (DN) "só os crentes do Islão estão abrangidos pelas suas proibições" - os outros não.
Por mim recuso aceitar dentro do meu espaço civilizacional as imposições de uma religião ou de uma cultura que são estranhas.
Dizia, no séc. XVIII, Benjamin Franklin que "Aqueles que aceitam limitar a sua Liberdade em nome de alguma Segurança não merecem ter direito nem à Liberdade nem à Segurança".