3.7.04
JÁ ERA!
Há uma semana atrás, tudo levava a crer que não restaria ao Presidente da República outra saída senão a dissolução da Assembleia e a convocação de eleições legislativas antecipadas: a crise repentina e imprevista, a estupefacção do país, o estado de choque em que mergulharam o PSD e a coligação, as cisões que se adivinhavam nesse espaço e a legitimidade moral da oposição.
Passados estes poucos dias após a eclosão da crise, tudo mudou: o PSD elegeu, de acordo com os seus estatutos, o seu líder, a maioria reordenou-se e aparenta uma estranha tranquilidade, o país já se habituou à partida de José Barroso (a quem tem visto nas televisões com um esfusiante sorriso de primeira comunhão) e a oposição tem-se perdido entre patéticas manifestações a reboque do Bloco de Esquerda e declarações pouco convictas (e mesmo contraditórias, como ocorreu com Assis) do PS. Que hoje, após a declaração política de António Vitorino, mergulhará em sérias reservas sobre com que liderança há-de enfrentar eleições. Uma crise talvez ainda mais séria do que a do PSD, cuja orfandade súbita limita consideravelmente as opções.
Assim, o que resta a Sampaio? Dizer que ouviu os senadores da Pátria e que estes não gostam de Santana? Mas o que vale, hoje em dia, a maior parte dessas vetustas personagens, senão algumas referências na História Contemporânea de Portugal, nem sempre pelas melhores razões? De que interessa a opinião dos representantes de outros órgãos de soberania, se nas coisas do Estado de Direito devemos acatar o princípio da separação de poderes? Que importa que Manuela Ferreira Leite continue a vociferar contra Santana? Não fez o mesmo o Professor Sousa Franco quando abandonou o governo de Guterres, que comparou a D. Maria II? Terá, por essa altura, passado pela cabeça de Sampaio destituir a regente da coroa?
Resta o homem: Pedro Santana Lopes.
De facto, começa a ouvir-se dizer que Santana não oferece solução séria (não se põe em causa, nem podia, a legalidade e constitucionalidade da mesma) para o governo, e que não é uma pessoa credível. Mas porquê, se ele é Presidente da Câmara de Lisboa, foi-o na Figueira e desempenha e desempenhou diversos cargos públicos nas últimas décadas? Só não é credível como primeiro-ministro? Incide sobre ele qualquer impedimento legal e constitucional que o autorize a chefiar câmaras municipais e lhe vede o acesso a S. Bento? É politicamente inimputável? Talvez, mas, então, anda por aí à solta há muitos anos, a ganhar eleições, sem que ninguém lhe tenha conseguido ainda limitar a ambição. Para além do mais, é, desde esta semana, presidente democraticamente eleito do PSD com três votos contra. Quantos votarão no PS, em identica eleição, contra a liderança de Ferro? Se contarmos com Lamego, Soares e, muito provavelmente, Vitorino, três já cá cantam!
A não ser que Sampaio decida por antipatias pessoais. Suas e dos senadores que ouviu e cuja legitimidade democrática é nula. Se assim o fizer, o seu acto terá o significado de uma perseguição pessoal: não aceita o líder eleito do PSD para primeiro-ministro de Portugal. Nem agora, nem nunca mais. Para além de uma intolerável ingerência na vida interna do, por enquanto, maior partido político do país, será uma inadmissível atitude pessoal, imprópria de um tão alto titular de um cargo político como a Presidência da República.
Se Sampaio queria eleições, deveria ter assumido as rédeas do processo no dia em que se soube do abandono de José Barroso: ouvia, como lhe compete constitucionalmente, os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado. E decidia. Mercê da sua olímpica calma e do seu medo em decidir sem estar escudado nas costas de outros, agora é tarde de mais. Ele que trate de se entender com Santana, se não quiser ficar mal na fotografia.