11.7.04

O DEVIDO LUGAR



Apesar das declarações habituais de respeito pela dignidade da decisão tomada, não me lembro de ouvir ninguém, com as honrosas excepções da Drª Ana Gomes e da Arqª Helena Roseta, pedir a Ferro Rodrigues para reconsiderar a sua decisão de demitir-se de Secretário-Geral do PS. E, se a memória não me engana, nem essas duas talentosas Senhoras, no afã de amaldiçoar Sampaio, se lembraram de semelhante coisa.
A razão é que, como um anónimo dirigente socialista declarava hoje aos media, a demissão de Ferro foi «pouco sensata». Como pouco sensatos foram os seus momentos mais emblemáticos à frente do PS: as sucessivas asneiras no processo Casa Pia, as posições perante o Iraque, a censura pública a José Lamego pela sua aceitação de um lugar na administração provisória desse país, a aproximação ao Bloco de Esquerda que se antevia já no governo ou muito próximo dele, e, na generalidade, as posições políticas assumidas pela Drª Ana Gomes, porta-voz consentida da direcção socialista, eivadas de um radicalismo pouco comum naquelas bandas.
Este PS, radicalizado à esquerda, não agradava à maior parte dos dirigentes socialistas que, estrategicamente, foram marcando distância e reserva em relação à direcção de Ferro. Mesmo depois das eleições europeias, afirmaram-se candidaturas ao seu lugar e intuiam-se outras no horizonte, porque quase ninguém acreditava seriamente que Ferro Rodrigues conseguisse levar o PS ao poder. Desde os tempos de Mário Soares que se sabe no PS que, em Portugal, as eleições se ganham ao centro, como, de resto, ele e António Guterres demonstraram. Ferro levara o partido para a esquerda, mais do que lhe seria permitido numa lógica de conquista do poder, e os resultados das europeias, onde todos sabem que funciona o voto de protesto, não convenceram quase ninguém.
Ao decidir manter a direita no poder, Jorge Sampaio contribuiu para uma redefinição das coisas no partido onde continua militante, e ter-lhe-á feito um favor que poucos ainda avaliaram justamente.