- A justiça consiste em "atribuir a cada um o que é seu".
A justiça jurídica, entenda-se.
- O Direito prossegue "esta" justiça. E "atribui a cada um o que é seu", dirimindo conflitos, resolvendo problemas concretos que nos afectam individualmente e que, em alguma medida, põem em causa a solidez comunitária que nos envolve. Como já alguém disse, a "argamassa" que nos permite mantermo-nos em vida societária.
- O Direito - neste sentido equivalente a justiça (ah...a velha expressão popular "não há direito"!)- dirime os conflitos, atribui a cada um o que é seu, fundamentando-se em "títulos" (título de propriedade, título de locatário, título de sucessor legal, título de conjuge, etc., etc.).
Ou, na falta destes, o Direito dirime esses conflitos, presumindo e descortinando "títulos" que permitam a alguém a invocação de direitos subjectivos, a afirmação de interesses pessoais....
- Em matéria criminal, os "títulos" e os interesses a proteger passam - mais ou menos intensamente - por aquilo que se entende ser o conjunto fundamental de princípios estruturantes da própria comunidade.
Um crime acaba sempre, por ou lado ou por outro, por pôr em causa (afectar) a comunidade concreta.... para além de, as mais das vezes, começar por lesar interesses legítimos (pessoais, não patrimoniais e/ou patrimoniais) de alguém: a vítima.
- Ora, o efectivo ressarcimento da vítima e, pour cause, da comunidade, só será cabal e eficazmente prosseguido se, o mais possível, a "justiça criminal" prosseguir a verdade material.
- Não se faz justiça, não se prosseguem os interesses de ninguém (nem da vítima, nem da comunidade) se o erro judicial esconder, dissimular ou, no mínimo, afastar/dificultar a acção das autoridades competentes relativamente à rigorosa verdade material! Não se protege a vítima se se condenar ou absolver de qualquer maneira, sem rigor e para além de qualquer dúvida razoável...sobre a "verdade material". Não se consegue ressarcir nenhum interesse legítimo, porventura, condenando ou absolvendo duvidosamente alguém! Não se faz justiça!
- Por isso, a máxima de que nos diz ser inevitável que "paguem os santos pelos pecadores é uma máxima a-jurídica"!
- Vem tudo isto não tanto a propósito do julgamento do caso "Casa Pia", que começou hoje,, mas, principalmente, a pretexto de algumas declarações inflamadas que ouvi no fórum da TSF, a propósito deste mesmo julgamento!
- A vox populi é, por vezes, muito perigosa quando se imiscui no debate sobre a justiça (apesar de achar que a também velha máxima popular deve ser acrescentada: "de médicos e de loucos E DE JURISTAS, todos temos um pouco"!).
- Não se faz justiça por vingança contra um estado de coisas deplorável, mas geral e abstracto! Não se condena ou absolve por outros motivos (nem que seja raiva e frustação social!)que não sejam atinentes ao comportamento concreto do arguido! Isso será espírito revolucionário (no maus sentido), até mesmo terrorista, mas não tem nada a ver com justiça, num Estado Democrático.
Não há justiça de ricos ou de pobres; de influentes (o que é isso?), ou não influentes. De poderosos ou do alegado "povo"! Ou melhor, não deveria haver!
- Fico um pouco chocado pelo facto de muita gente não comprender isto e confundir sistematicamente justiça com vingança, com "gritos do ipiranga", com libertação de recalcamentos sociais, económicos, etc., etc....
Não, não é uma questão de "compreensão social", de "condições económicas", de situações e "estatutos culturais", de sorte ou de azar, de acesso a mais ou menos informação e, de um modo ou outro, de "paternalista" comprensão social por quem - pobrezinhos! - acha que quem não compreende estas realidades só o faz (ou seja, não o faz!) porque é um desprotegido!
- Não. É também uma questão de cidadania que está em causa!
E, pior, é também (será sobretudo?) uma questão de carácter...o nosso muito "lusitano" carácter que nos tem conduzido, desde a crise de 1373-1375, de equívoco histórico em equívoco histórico, ao estado em que estamos!