23.11.04

NEGOCIATA A CÉU ABERTO

O que se passou?
Simples. A Câmara Municipal do Porto apresentou a sua versão do PDM ao órgão competente para aprovação, a Assembleia Municipal. Esta entendeu proceder a 40 alterações.
Uma delas, diz respeito a uns terrenos do complexo desportivo do Boavista Futebol Clube, nomeadamente ao seu actual campo de treino, que a CMP destinou no PDM a «área de equipamento desportivo». Os senhores deputados municipais, por unanimidade (sim, o Bloco de Esquerda, o PCP, o Partido Socialista, o PSD e o PP), entenderam alterar a afectação daquele terreno, decidindo que o mesmo se tornasse numa «frente urbana contínua de consolidação».
Os moradores nos prédios contíguos reclamaram de imediato por verem as suas expectativas e interesse colocados em risco, uma vez que, alegadamente, teriam adquirido as suas habitações mediante informações de que tal terreno não seria destinado a construção, mas sim a área desportiva. Levantada a questão na imprensa, de imediato algumas bancadas de deputados municipais se apressam a rever a sua posição. Mas mais interessante é verificar a argumentação do porquê terem acedido naquela alteração: «Como nos disseram que o Boavista precisava de valorizar aquele terreno para ter o dinheiro necessário à construção do novo pavilhão, e como os terrenos eram todos propriedade do Boavista, pareceu-nos legítima a pretensão do clube (...)».
Então não dizem os defensores dos PDM que estes são um instrumento de planificação futura, tendo em consideração os valores ambientais, urbanísticos, estéticos e funcionais dos cidadãos? Mas neste caso parece que se trata de uma forma simples de permitir receitas para entidades colectivas privadas. O que não é propriamente a função pensada para os PDM. Aliás, estes instrumentos de planificação centralizada, burocrática, anómala, ineficaz e fomentadora de todas as aberrações e vícios legais, politicos e negociatas, deveriam, isso sim, ter também em conta os interesses dos proprietarios e não só um único, difuso e esóterico «interesse público».
Exemplos: um proprietário de um terreno pretende que lhe seja viabilizada o aumento da área de construção por forma a que ele possa obter um pecúlio suficiente para uma reforma condigna e pagar os estudos dos seus netos. Um outro caso: uma empresa pretende que em vez de poder construir um edifício de 3 andares que o mesmo possa ter 10, de modo a financiar o aumento das suas instalações fabris e capacidade produtiva alegando que criará 40 novos postos de trabalhos. E poderíamos ir por aí fora.
Ou seja, todo e qualquer interesse privado poderá sempre ser justificado como tendo consequências sociais relevantes. O que é verdade. Mas então, porque é que apenas uma colectividade privada (uma, que se saiba), tem o poder de ver os seus interesses financeiros compatibilizados com o «interesse público», vendo de um dia para o outro alterado um instrumento de planificação como o PDM?
Donde se pode concluir que só se entende a atitude dos deputados municipais como resultado de quererem agradar a uma colectividade com peso junto dos seus eleitores e portanto violaram os seus deveres de representantes do povo. Parece que a situação ainda vai ser revertida, tal a má consciência, agora e só agora, revelada pelos deputados municipais de todos os partidos. Pelo menos desta história, e desta vez, sai bem na fotografia a CMP e o vereador Paulo Morais.