11.4.05

A CONFRARIA DOS SÁBIOS DO DÉFICE



Vai para mais de dez anos, desde o abandono de Cavaco, que o PSD não se reencontrou e, sem ele, vive a direita do regime uma deplorável orfandade.
Nesse período de tempo, pela liderança passaram homens competentes e sérios, honestos e trabalhadores, carismáticos e low profile, com maior ou menor talento mediático, com carreiras profissionais firmes e reconhecidos méritos pessoais. Numa só década, sucederam-se vertiginosamente na chefia do partido os seus mais esperançosos quadros: Fernando Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso e Santana Lopes. Nenhum deles serviu e todos, por esta ou por aquela razão, falharam naquela que deve ser a principal missão do PSD: guindar a direita ao poder e consagrá-la como uma respeitável e estável força política.
Não pode, sequer, dizer-se que o fantasma de Cavaco tenha sido ou seja asfixiante e que retire espaço vital de manobra aos novos líderes. Exceptuando o caso óbvio de Santana, em que a embirração pessoal do velho professor veio ao de cima e comportou consequências inegáveis, todos os demais fizeram o que lhes deu na cabeça e ainda lhes sobrou tempo. Não serviu de nada, como ficou provado.
No caso do PS, quando da eleição de Mário Soares para Presidente da República, o partido levou tempo a reencontrar-se, mas acabou por fazê-lo com Guterres, que, de facto, lhe imprimiu uma outra personalidade. Os resultados podem medir-se pelos anos que, apesar de tudo, durou o seu governo e pela posição actual do partido liderada pelo seu delfim José Sócrates. Por outro lado, o distanciamento em relação à figura patriarcal de Mário Soares é patente, desde há muito tempo. O que, no PSD, não sucedeu ainda, como ficou demonstrado no Congresso deste fim-de-semana.

A razão profunda da diferença das reacções do PSD e do PS em relação às suas duas figuras simbólicas mais importantes, aos seus dois pais políticos, é a mesma profunda razão que separa a direita da esquerda portuguesas. Enquanto esta última se consola com figuras de vago recorte humanista, de perfil tolerante e portadores de um discurso social de gosto duvidoso, a direita tem a obsessão pelo paradigma do homem de autoridade, que domina essa ciência esotérica que é a Economia e a sua filha mais próxima, as Finanças Públicas. Foi por isso que ao longo do século passado, ela só teve duas verdadeiras paixões: Salazar e Cavaco. Porque, para além de lhe mostrar má cara, ambos dominavam os oráculos e sabiam ler os auspícios. Todos os outros líderes do PSD não eram homens das «finanças públicas», nem sabiam de Economia, embora, ao contrário do que dizia Pessoa, conste que todos eles tinham e têm boas bibliotecas. Até mesmo Sá Carneiro, a quem a morte trágica conferiu a auréola mítica que ainda hoje ostenta, era visto pela direita como um provável «melhor líder da oposição do que do governo». O destino não lhe deu tempo, e todos ficámos sem saber como a direita o haveria de tratar como primeiro-ministro.
Por tudo isto, o PSD suspira baixinho por António Borges. Ele é um deles; pertence à Confraria dos Sábios do Défice; sabe discorrer sobre o emprego, a despesa pública e o orçamento geral do Estado.

Marques Mendes, hoje eleito líder, não ignora que só o conseguiu ser com a bênção da Irmandade. Não terá pela frente vida fácil: eleições, referendos, quatro anos e meio de oposição. Homem inteligente que é, sabe igualmente que a sua probabilidade de chegar politicamente vivo ao fim desse tempo é ínfima. Quando chegar o dia e a hora, o momento certo, a Confraria tomará o poder no partido e, certamente, no país. Então, pela segunda vez em democracia e pela primeira no século XXI, a direita portuguesa ficará feliz e contente. «Assassinará» ritualmente o pai Cavaco, devidamente reformado em Belém, e reencontrará o seu caminho.