11.4.05

LIBERALISMO E MASOQUISMO - II

Em adenda ao «post» do João Miranda, com o qual estou, no essencial, de acordo, diria que a virtude do liberalismo, está, entre outos aspectos, em não presumir a virtude dos governantes. Aliás, se nos cingirmos ao conceito maquiavélico de «virtú», poderemos até coincidir na terminologia e nos conceitos. Só que este último não é propriamente sinónimo de boas intenções ou de bons sentimentos. Como todos os indivíduos, também quem governa tem interesses e objectivos pessoais, que não coincidem forçosamente com os da comunidade ou os dos indivíduos sobre os quais dispõe de poder de soberania. Por isso, para um liberal, o bom governo não é o que é composto por bons governantes (conceito tecnicamente neutro, já que não existe qualquer critério objectivo que o defina), mas aquele que dispõe de poderes bem delineados, muito delimitados, e «enunciados» em regras gerais e abstractas.

Isto mais não é do que um corolário natural da forma como o liberalismo concebe o indivíduo e a forma dele agir socialmente. Em primeiro lugar, como afirma o João, a acção humana é determinada pelo interesse individual, ou pelo «egoísmo», como lhe preferem chamar os socialistas românticos. Em condições de normal funcionamento de um mercado livre, os indivíduos compõem entre si a justa medida dos seus interesses. Em caso de comportamentos anómalos, que desvirtuem os direitos individuais (de propriedade, de personalidade, de segurança, etc.) intervêm as instâncias jurisdicionais, a fim de arbitrarem e de resolverem conflitos, a partir de regras gerais e abstractas. O problema é quando intervém o Estado para, em substituição dos indivíduos, fixar critérios. Em regra, fá-lo sempre com base nos seus próprios critérios, que obedecem às motivações da sua personalidade (que a possui), e aos seus interesses específicos, que só ingenuamente se poderão identificar com o «interesse geral».

Por fim, diga-se que, embora egoísta, o interesse indiviual pode compor-se com muito mais facilidade do que se, de permeio, lhe for imposto um intermediário, ou seja, o Estado. Dessa livre composição de vontades resulta, para o liberalismo, uma ordem social tendencialmente mais justa do que uma ordem social intervencionada, que é geradora das próprias «regras gerais e abstractas» que devem suportar o seu normal e tranquilo funcionamento. Em última análise, quando falamos na «mão invisível», é mais ou menos isto que pretendemos traduzir.