7.4.05

Quem infere, infere mal, ou desfazendo certos conceitos "implícitos"...

O João Miranda decidiu fazer um post a partir de duas ou três ideias que diz estarem "implícitas" no meu post. O post em questão merece resposta, pois coloca na minha linha de pensamento ideias com as quais não me identifico. É o que dá escrever sobre as ideias "implícitas" na escrita dos outros...

Desde logo, o JM afirma que eu faço, e cito, "apelos à «evolução das sociedades e das culturas» para justificar determinadas posições", e que esse meu apelo poderia, "mais cedo ou mais tarde, fazer ricochete, porque esse argumento tanto serve para justificar a tradição como a mudança". Acrescenta que tal "é um argumento que tanto serve para justificar a tradição do casamento como a evolução para uma coisa totalmente diferente na qual o Rodrigo não se reconheceria".

Segue-se um confuso parágrafo onde, em primeiro lugar, o JM afirma que, e cito, "numa sociedade livre, as palavras e os conceitos são definidos de forma descentralizada e ninguém tem o direito de definir o que é o verdadeiro «casamento»". Para depois atestar que um pretenso conceito de "casamento" que eu defenderia estará a morrer. João Miranda - o blogger que defende que ninguém tem o monopólio da definição conceptual, mas que assevera que só há uma posição liberal sobre esta matéria (deduzo que a sua) - termina, com um afirmação, não digo "polémica", mas no mínimo "controversa": "A verdade é que o casamento deixou de ser uma instituição da sociedade civil e foi estatizado. Como todas as instituições estatizadas, o casamento vai morrendo porque deixou de ter que depender do sentido que as pessoas concretas lhe atribuem".

Em todo o meu post eu não quis justificar nada de nada. Apenas pretendi alertar para o facto de que casamento tem um "mínimo denominador comum", sendo a sua forma e sentido, mais amplo, obviamente, conformado pela evolução das sociedades e das culturas (não acomodando, obviamente, relações afectivas com animais, passe o ridículo, mas que JM inscreveu no seu post). Esta é uma constatação de facto, e não uma "justificação". O JM acha que eu não posso defender que a noção de casamento é uma noção em evolução, porque isso poderia conduzir, cito, a "uma coisa totalmente diferente na qual o Rodrigo não se reconheceria". De onde o JM infere tal coisa? Acha que pelo facto de eu ser católico não sou capaz de ver na sociedade que existem outras formas diferentes de união? Acha que vou reduzir a semântica do casamento ao casamento católico? Nada mais errado. O verdadeiro catolicismo, pregado por Cristo, é de adesão livre. Aceita que, em sociedade, todos podem tomar as suas opções. Existem sociedades onde o casamento não tem a significação que lhe é dada pela religião católica. E depois? Deixam de ser essas uniões consideradas casamentos? Acha o JM que eu tenho receio que a aceitação de uma evolução conduza à consagração dos casamentos gays? É esse o tal "ricochete" que pode conduzir a algo com que eu não me reconheceria? O ponto está que o JM, pelo menos neste aspecto, não viu que a diferença entre um conservador e um liberal é que este último apenas pretende ver a sua esfera de afirmação protegida, vivendo e convivendo confortavelmente numa comunidade onde existam uma pluralidade de opções morais, e onde o casamento assuma formas multifacetadas. Esta é a minha posição, que se infere facilmente de uma leitura atenta do meu post...

Numa coisa, porém, parece que estamos de acordo. Ambos desconfiamos da instituição "casamento civil"; ambos achamos que esta é apenas uma forma de obter benefícios do Estado, na nossa óptica, indevidos.

Mas eu, ao contrário do JM, não vejo que o "casamento esteja a morrer", pelo facto de, enquanto "instituição da sociedade civil", ter sido "estatizado". A estatização pode ter descaracterizado uma certa faceta do casamento, mas este está bem longe de morrer. Cada um vê a realidade em função do que conhece; eu da minha parte, e à minha volta, conheço centenas de uniões, celebradas catolicamente, em união de facto, sob a alçada do casamento civil, que demonstram que ele está bem vivo, e para durar. O casamento pode ter sido estatizado; mas até o casamento que diz estatizado, tem subjacente uma união pessoal, em milhões de casos, forte, que obviamente não fica prejudicada nem desaparece pela existência de um vínculo civil.

E, caro JM, não há maior inverdade do que aquela com que termina o seu post, quando afirma que "Como todas as instituições estatizadas, o casamento vai morrendo porque deixou de ter que depender do sentido que as pessoas concretas lhe atribuem". Eu casei religiosamente, tendo, por lei, sido forçado a casar, também, civilmente. O vínculo civil pode condicionar a minha declaração de IRS, uma linha no meu BI, eventualmente a disposição dos meus bens na hora da morte. Mas não descaracteriza o essencial do que é o casamento, nem o mata. O Estado não habita dentro do meu tecto. Fica à porta, com as trancas bem fechadas... mais: as uniões afectivas e pessoais estão muito para lá daquilo do Estado.
Rodrigo Adão da Fonseca