15.4.05

Um blog escrito por siglas, só pode ser de esquerda...

Fiquei mesmo transtornado com a descoberta que, afinal, sou de esquerda. Ainda não estou em mim.

Telefonei ao meu pai, para lhe perguntar se ele achava que eu estava com desvios esquerdistas; tinha o telefone desligado; liguei à minha mãe, perguntei-lhe a mesma coisa: ela respondeu-me: "O teu pai está na Turquia. No domingo festejamos os anos da avó e da tua irmã cá em casa, vê se chegas a horas e largas o computador, que preciso da tua ajuda. Quando perdes essa mania da política? Ainda me vais dar um desgosto". A resposta da minha mulher também não ajudou muito: "De facto, se esse cabelo estivesse mais penteadinho para o lado, e ao fim-de-semana, em vez de andares de t-shirt, fizesses a barba, e vestisses uma camisinha com cavalinho, ou um pólo mulicolor da sacoor, talvez não te confundissem com um esquerdista. Também acho giros aqueles gorros de latifundiário ribatejano. Nunca percebi porque deixaste de usar aquele teu fato azul da risca, e a gravata azul celeste". Nem pensar! Antes esquerdista, que usar as fardas do PP! Liguei a um par de amigos: um deles rematou: "Tu és do Norte. Dizes bem do Pinto da Costa. Desde que andas por Lisboa, estás cada vez com mais sotaque nortenho. Escreves num blog onde, em vez de nomes sonantes do eixo da Lapa, só entram portuenses incógnitos, que ninguém conhece em Lisboa, e que ainda dificultam com a utilização de siglas; e essa tua mania da t-shirt: é óbvio que és de esquerda!".

Amanhã vou ao barbeiro; talvez vá comprar uma camisa aos indianos da Sacoor. Vou passar a acabar as conversas com um bem arrastado "Atão vá", e a "bebê café". E deixar de escrever coisas mundanas, dedicando-me a assuntos excelsos, interessantes, de grande densidade, do tipo crónicas homofóbicas sobre a noite portuense, demonstrando como uma certa juventude, além de praticar a justiça social, se dedica a incutir alguma moralidade nos pais de família com comportamentos desviantes. Vou assumir uma atitude "pessismista", destilando q.b., pelo próximo, uma certa dose de desprezo chanel ; vou começar a cultivar um certo desdém por aqueles que acham que vale a pena mudar o que quer que seja; a minha marca d'agua vai passar a ser um longo suspiro: basicamente, vou tornar-me num verdadeiro chato. Mas serei de direita!

Perdoa-os, Senhor, que eles não sabem o que fazem!
Rodrigo Adão da Fonseca