28.11.05

«In hoc signo vinces»

Quando andava na escola primária, por cima do quadro de lousa, estavam lá os retratos do presidente do conselho e do presidente da República, ladeando o crucifixo.
Nas semanas seguintes ao 25 de Abril, os retratos foram «abatidos» á força dos tiros certeiros de giz, por parte das «forças avançadas» que nós então nos tornamos. O dia que em caiu o estilhaçado Marcelo foi um dia histórico na nossa sala de aula.
Desconheço se o actual presidente do conselho e o PR continuam a fazer de partner ao crucifixo. Ou sequer se o giz é ainda utilizado como «arma de arremesso revolucionário».

Aparentemente, os crucifixos mantem-se no seu posto.
Questio I: Diz tal assunto respeito ao Estado?
Não.
«Parece-me que o Estado é uma sociedade de homens, constituída unicamente com o fim de conservar e promover os seus bens civis. Chamo bens civis à vida, à liberdade, à integridade do corpo e à protecção contra a dor, à propriedade dos bens externos, tais como as terras, o dinheiro, os móveis, etc. (...) parece-me demonstrar que a jurisdição plena do magistrado diz unicamente respeito aos bens civis e que o direito e a soberania do poder civil se limitam e circunscrevem a conservar e a promover apenas esses bens, e que não devem nem podem, de modo algum , estender-se à salvação das almas»
John Locke, «Carta sobre a tolerância» (1685);

Questio II: Deve o Estado retirar tais símbolos religiosos?
Sim. Na medida em que tais crucifixos não são objectos de arte, mas sim puramente simbólicos, demarcando determinado espaço fisico como «cristão», não devem ser permitidos em instalações públicas.
Entendo contudo que as comunidades locais possam optar pela presença e utilização de simbolos religiosos ou outras manifestações de carácter religioso em instalações do Estado. (o que não deve ser imposto, também não deve necessariamente ser proibido). No entanto, apenas na medida em que tais escolhas se possam inserir num contexto de livre expressão e sobretudo de educação e nunca como símbolo de autoridade, de potestas, como sucede com os crucifixos nas salas de aula ou nos hospitais. Exemplificando: se determinada comunidade (inserida na Estado), decidir criar um presépio pelo Natal, respeitar o Ramadão, assinalar o Yon Kipur ou afixar um poster assinado pelos jogadores do Benfica (da época passada...), tal pode configurar uma manifestação legítima de autonomia e de respeito pelos valores comunitários locais, se assumir carácter voluntário, cultural, etc. Aí, também em nada se desrespeita a «neutralidade» do Estado, uma vez que este não está em questão. Já seria inadmissível que tais manifestações ou símbolos assumisssem um carácter oficial e/ou obrigatório.

Nota 1: Julgo evidente que ninguém pretende retirar todos os sinais religiosos, nomeadamente, a simbologia cristã presente nos edifícios históricos pertença do Estado, da heráldica e emblemas institucionais, papel timbrado e tutti quanti. Seria ridículo e um atentado à memória e património cultural e histórico.
Nota 2: Um Estado que fosse realmente independente não estaria 30 anos à espera para retirar crucifixos das salas de aula. Uma organização que fosse verdadeiramente independente, ao invés de alegar «perseguição» deveria simplesmente dizer: «não fomos nós que os lá pusemos, não seremos nós que os tiraremos. É algo que não nos diz respeito, pois não falamos do que se passa na casa dos outros».
Nota 3: em caso algum defendo que o Estado deva, por princípio, de alguma forma impedir a utilização das suas instalações por parte de comunidades religiosas ou que os simbolos religiosos devem ser afastados dos espaços propriedade pública. Pelo contrário, julgo que o Estado não se deve imiscuir nesses assuntos, nem impedir a fruição de bens públicos parte dessas comunidades.