Pelo que se pode ler nas edições de hoje do Diário de Notícias e do Diário Económico, os estudos que tiveram honras de apresentação ao mais alto nível com pompa e circunstância mostram não a justeza da decisão mas sim a absoluta inviabilidade económica do projecto Ota. Não é a notícia impressa que o diz. São as entrelinhas.
A falácia do financiamento privado é bastante evidente.
«O BPI estima que os apoios públicos e a PDT representem 30% do total, o que para um investimento global de 3,11 mil milhões de euros, se traduz em cerca de 930 milhões de euros. Uma fatia de 20% do investimento, equivalente a cerca de 620 milhões de euros, seria de capitais próprios e equiparados, sendo os restantes cerca de 1 550 milhões de euros financiados com recurso a dívida.»Explique-se, PDT é um acrónimo para uma taxa. Um imposto. Mais um.
Como escrevi aqui, o estado/governo/ministro estão-se nas tintas para a viabilidade do projecto Ota. O que os move é a descoberta do conjunto de pressupostos que lhes permita proclamar a racionalidade da decisão. O que é preciso é encontrar o conjunto de "alcavalas necessárias para tornar o nado-morto sem pés nem cabeça numa apelativa mina de ouro para os investidores".
Acredito que tenham sido tentados todos os cenários para conseguir mostrar uma imagem decente do projecto porque o imposto é sempre a medida do último desespero. Também explica o tempo que se esperou pelo anúncio. Os especialistas do Efisa devem ter gasto muitas células cinzentas e não se lembraram de melhor sugestão. Mais um imposto. Não fica nada bem. Mas é o que nos contam os jornais. Para conseguir a viabilidade da operação, sugere-se uma nova taxa, de 7,85 euros por cada passageiro que na próxima meia dúzia de anos pisar a Portela. São cerca de 12 milhões de passageiros por ano, 95 milhões de euros anuais durante o período da construção.
E embora o 'estudo' não queira assumir que esta é uma comparticipação pública por haver uma aparentemente desintermediação, não há outro nome para isto do que financiamento público através de imposto.
Se somarmos o imposto sobre os utilizadores da Portela, com as comparticipações directas do estado e da UE e ainda os Capitais Próprios e Equiparados de uma Empresa que é 100% pública, chegamos ao lindo número de 1600 milhões de euros.
É a isto que se chama "projecto feito por privados", em que o estado quase não participa, são só 8% no máximo, quase nada? Mentira. Mentira descarada.
Depois disto, a falácia da viabilidade é facilmente desconstruída (hoje acordei post-moderno).
Como é natural, os fundos obtidos através do novo imposto e as comparticipações públicas são contabilizados como subsídios operacionais, o que melhora significativamente a rentabilidade do projecto.
No entanto, apesar de todos estes subsídios, enganei-me nas previsões. A TIR do projecto não está entre 11% e 13% mas sim entre 6% e 9%. É portanto um projecto que nem sequer é particularmente interessante para entidades privadas, apesar de estar completamente desvirtuado nas sua realidade económica. Com estas rentabilidades, a Ana ou a Naer só conseguirão impingir este negócio a um investidor privado se o estado cobrir grande parte dos riscos operacionais. Não é preciso ter grandes ilusões.
Uma aposta: se o estado quer que privados entrem com capitais próprios para este projecto, terá que garantir um mínimo de tráfego de acordo com um cenário pre-estabelecido. É a herança SCUT no projecto da Ota.
Descontados os elevadíssimos subsídios públicos, a rentabilidade verdadeira do projecto cai nas ruas da amargura e a inviabilidade económica já é evidente. Mas se economicamente a coisa é negra, financeiramente já não é bem assim. Para a banca, é do melhor que há. Diz Oliver Chazelas, do BNP/Paribas: "existe um forte apetite dos bancos para projectos desta natureza". As construtoras também estão exultantes e os donos dos terrenos, excitados, dão entrevistas.
A Ota é saborosa para o lado que fica com a carne. Para os que comem os ossos, é trágico. E se é mau só por si, então como fica quando nos lembramos que:
1. Nas contas, não se fala no famoso comboio rápido que fará 50 Km em 17 minutos. Para lá dos custos da infraestrutura, que facilmente atingirão algumas centenas de milhões de euros com provável forte recurso ao erário público, soma-se o sobre-custo a suportar pelos clientes da Ota com o transporte. Por exemplo, em Roma, um bilhete no Leonardo Express fica por 19?, ida e volta. E não são 50Km, são 30. E não são 17 minutos, são 35. Quanto custará o mega-luxo de Lisboa?
2. A A13 ainda não está construída. A A13 é a nova auto-estrada Que liga a OTA a Lisboa. São mais uns milhões para a conta.
3. "Os custos da deslocalização dos serviços que funcionam actualmente na Portela não estão ainda contabilizados. Guilhermino Rodrigues e Fernando Pinto, respectivamente, presidente da ANA e CEO da TAP, recusam-se a adiantar valores, mas admitem estar-se na presença de somas avultadas."
É tudo tão mau que assusta. Mas, descansem, já vi pior. O estudo económico que foi apresentado em 1996 para o projecto TGV (A versão PI deitado, da RAVE) era ainda mais catastrófico que este. Felizmente, já passaram 9 anos e ainda não há TGV.