29.11.05

Justa Causa

Era uma vez um senhor administrador de empresas que geria uma fábrica que produzia 10.000 cadeiras por ano. A produção estava apenas a 2/3 da capacidade porque a instalação estava já dimensionada para, pelo menos, 15.000 cadeiras. Era uma empresa precavida. A empresa vendia as cadeiras a 30 euros e conseguia uma margem de 10 euros em cada uma.

Um dia, alguém convenceu o administrador que a procura anual de cadeiras estava em grande crescimento e atingiria as 20.000 unidades dentro de alguns anos. Na sua busca racional pela melhor decisão, o zeloso administrador estudou 3 alternativas.

  1. Aumentar os preços quando a procura exceder a oferta e limitar a produção a 15.000 cadeiras;
  2. Construir uma grande fábrica nova por 3 milhões de euros, o que lhe permitirá construir 30.000 cadeiras por ano e encerrar a fábrica actual;
  3. Comprar e adaptar uma segunda unidade mais pequena que lhe permita produzir mais 10.000 cadeiras por ano, mantendo a actual fábrica a funcionar e especializando a produção. A fábrica antiga faz as cadeiras de mogno e a fábrica nova as de pinho.
Ora vai daí e o nosso administrador chamou um consultor especializado e apresentou-lhe os diferentes cenários. E perguntou-lhe:

"Ó senhor consultor especializado, como é que vai avaliar estas alternativas, qual é a melhor para os meus accionistas?"

O consultor especializado explicou-lhe que poderia utilizar várias metodologias de avaliação, mas há uma delas que é mais importante do que as outras, o método dos Cash Flows Descontados. E mais disse que deveria utilizar Cash Flows diferenciais, porque é a melhor maneira de comparar propostas alternativas.

Foi nesta altura que o administrador interrompeu: "Hum... senhor consultor especializado, e o que é isso dos diferenciais?"

E o consultor explicou:

"Por exemplo, imagine-se daqui a 15 anos, e veja o que aconteceria em cada um dos cenários.

No cenário 1, o senhor vende 15.000 cadeiras a 32 euros cada uma. Aumentou o preço porque a procura não é satisfeita e felizmente para si não tem concorrência. A sua margem passou para 12 euros e ganha 180.000 euros.


No cenário 2, vende 20.000 cadeiras a 30 euros cada uma,. A sua margem é de 10 euros por cadeira. Ganha 200.000 euros mas investiu 3 milhões para construir a nova fábrica."


O administrador interrompeu outra vez o consultor:

"É mesmo isso. Tenho aí um director de obras, o Mário, que já me tinha feito essas contas. Ora, isso nem é mau de todo, são 200.000 euros de margem por ano, dá 6% sobre o investimento. Não é muito, mas faz falta, as cadeiras são uma necessidade básica do povo. Até já apresentei isto aos accionistas e fiz uma grande festança, ó se fiz!"

"Calma, senhor administrador" - interrompeu o consultor esclarecido. E continuou:

"Não é assim que se fazem as contas. O que tem que avaliar é a diferença entre estes dois cenários. E a diferença é que o senhor deixa de ganhar 180.000 e passa a ganhar 200.000. É um diferencial de apenas 20.000 euros, nesse ano. Agora faz o mesmo para os outros anos e calcula todos os diferenciais. Mas para ganhar esses diferenciais, para vender mais 5.000 ou 10.000 cadeiras, teve que investir mais 3 milhões... Acha que o seu accionista vai ficar mais rico ou mais pobre?"

"Hãn? Como? Explique lá isso melhor..." - pediu o administrador, já preocupado.

"Imagine que ganha 300 contos por mês e paga 100 contos de renda. Se alguém lhe oferecer um emprego noutra cidade a ganhar 500 contos por mês e a pagar 450 de renda, e ainda por cima lhe pedir 40.000 contos para ter direito a esse novo emprego, aceita?"

"Ai... ai... ai o meu accionista. E então o terceiro cenário..." - sondou o zeloso administrador, quase em desespero.

"No terceiro cenário, há mais contas a fazer. Vai comprar uma fábrica muito barata, já está quase feita, só tem que adaptar. Nessa fábrica vai vender cadeiras de pinho que valem menos mas também custam menos a produzir. Note que alguns dos seus clientes actuais vão preferir essas cadeiras mais baratas e por isso pode prolongar a longevidade da sua fábrica actual. Mas para fazer as contas nesse cenário, é preciso mais informação." - explicou o consultor.

"Pois, pois, até pensei nisso, mas o Mário já me disse que essas fabriqueta só dão para fazer 2000 cadeiras por ano..." - lamentou-se o consternado administrador que só queria enriquecer o seu accionista.

"Deve estar a brincar. O que há mais por aí são fabriquetas dessas que produzem 10.000 cadeiras. Esse Mário é mesmo de confiança? Olhe lá, nesse cenário da fábrica nova de 3 milhões, quanto custa a mudança de instalações? Como é que os trabalhadores vão para a nova fábrica? Como é que as cadeiras saem da fábrica para o distribuidor?"

"Ah, pois, vou ter que gastar mais umas notas. Os trabalhadores vão ter que ser subsidiados, ou para o transporte ou para a mudança. E é necessário fazer mais uns investimentos, umas estradas novas de acesso, um terminal de mercadorias... Estou farto de perguntar ao Mário quanto é que custa mas ele não me responde. As cadeiras vão ficar mais caras para o cliente, vai ter que ser ele a pagar o transporte. Acha que vou perder clientes? O Mário diz que vou ganhar muitos clientes novos..."

E foi nesse momento que o consultor especializado concluiu qual era o melhor conselho a dar ao senhor administrador:

"Olhe, eu se fosse a si despedia já esse Mário. Com justa causa"