17.12.05

Ambiguidade semântica

A propósito dos artigos que o Tiago Mendes e o João Galamba me obrigam a ler.

Considere-se o seguinte título de um jornal inglês: «Iraqi head seeks arms.»

De acordo com a ferramenta de tradução do Google em português o título seria: ««A cabeça iraqi procura os braços.»» Se iraqui estivesse no dicionário, o Google teria traduzido o título de jornal para ««A cabeça iraquiana procura os braços»». Claro que a tradução correcta é ««Líder iraquiano procura armas»».

A tradução automática não funciona neste caso porque as palavras «head» e «arms» podem ter dois significados distintos conforme o contexto. «head» pode ser «líder» ou «cabeça», e «arms» pode ser «armas» ou «braços». O programa de tradução, ao contrário dos seres humanos, não tem nenhuma forma de identificar o contexto e por isso não consegue traduzir correctamente o texto.

Para os anti-reduccionista esta ambiguidade semântica seria a prova de que a linguagem não pode ser abordada por uma teoria reduccionista. Afinal, o exemplo mostra que a linguagem não pode ser reduzida a um dicionário e às regras da gramática. É preciso também contar contar com informação sobre o contexto.

Mas a perspectiva reduccionista não exclui o contexto da sua análise. De acordo com a perspectiva reduccionista, um problema só pode ser compreendido se forem tidos em conta todos os elementos que para ele contribuem e não apenas alguns. No caso da linguagem, o contexto é um factor tão relevante como quanquer outro. E o próprio contexto pode ser estudado por uma perspectiva reduccionista através de uma análise que permita perceber como o contexto se forma a partir de vários elementos constituintes.

A perspectiva reduccionista permite perceber ainda porque é que a linguagem é ambígua e dependente do contexto. A linguagem é um produto da evolução, e adaptou-se ao que já existia antes. Não é o resultado de um esforço intelectual mas o resultado da evolução genética e cultural. Quando os seres humanos começaram a falar já tinham outras capacidades, incluindo algum senso comum que permite desfazer algumas ambiguidades de contexto. A evolução da linguagem seguiu o caminho do esforço mínimo, ou seja, adaptou-se às características humanas que já existiam. Se não fosse assim, a evolução da linguagem não seria possível. Não teria sido possível a invenção súbita de uma linguagem completa e sem ambiguidades, porque tal linguagem teria ser logo no início demasiado sofisticada e demasiado formal. Seria completamente desadequada quer a um pequeno cérebro em evolução quer a erros de comunicação (note-se que a ambiguidade também permite a flexibilidade).

A ideia de que a linguagem só pode ser compreendida como um todo, que uma das partes não pode existir sem as outras, é uma ideia que me parece mais próxima da perspectiva holista. No entanto, esta perpectiva é incompatível com a evolução da linguagem. As linguagens evoluem, e evoluem porque as partes são adaptáveis. A ambiguidade é suportável e algumas partes do sistema são redundantes.