9.12.05

"ORDEM" - PARA QUE TE QUERO?

(1)
Depois da chegada da Democracia, criou-se uma Associação - a anterior designação de "sindicato" poderia trazer confusões. Queria-se defender a "classe", a "dignidade da profissão", a "ética" dos profissionais e outras trivialidades terminológicas de ofício.
Entendeu-se que não chegava. Logo, exigiu-se uma Ordem - assim sim, com a Ordem, a "classe", a "dignidade", a "ética" e o resto, estariam definitivamente salvaguardados.
Chegou a
Ordem
(2). Algum barulho inicial, meia dúzia de iniciativas que ficaram a meio.
O inenarrável Decreto-Lei nº 73/73, que coloca engenheiros e outros que tais ao mesmo nível dos arquitectos na elaboração da maioria dos projectos de arquitectura (quanto a mim, já revogado tacitamente), continua a ser aplicado, impavidamente, na esmagadora maioria dos organismos públicos competentes, apesar da Resolução da AR nº 52/2003, de 22 de Maio de 2003 (aprovada por unanimidade), do abaixo-assinado e da Petição que foram apresentados na mesma Assembleia da República.
Paulatinamente vai-se destruindo a racionalidade urbanistica e a qualidade de vida deste país. Irremediavelmente, para as actuais gerações.
Do mesmo modo, esta legislação anacrónica acabou por dividir inexoravelmente os arquitectos portugueses entre alguns "sobas" com posição dominante no mercado, idolatrados nos media e a quem tudo se consente, e a grande massa dos profissionais que luta desigualmente com gente sem qualquer preparação específica mas que o tempo especializou em conluios e cumplicidades camarárias.
A
Ordem, então, parece ter encontrado o seu grande desígnio de conduta - e virou as suas atenções para os jovens licenciados. Imitando quase todas as suas congéneres, alegremente, expeliu um acervo de regulamentos limitativos do acesso à profissão.
Pareceres jurídicos da mais variada proveniência já vieram destacar a falta de coerência legal desses intuitos restritivos. Mas a
Ordem não se importa. A "dignidade" e a "ética" profissionais, tão apregoadas, finalmente, parecem ter-se reduzido à vontade pura e simples de limitar a concorrência com os novos licenciados em arquitectura. De definir verticalmente (sim!) as fronteiras da coutada onde deverão continuar a mandar os "sobas" e os demais que já lá estão - aqueles que, por infelicidade geracional, chegarem depois terão de amargar!
Faz lembrar a história, narrada por Vital Moreira (3), dos advogados de Nova York no séc. XVIII que durante 14 anos vedaram o acesso à profissão a novos advogados excepto se os candidatos já possuíssem o inafastável mérito de serem... filhos de advogados. Nessa altura, os advogados de Nova York juravam que esta medida era motivada pela defesa da dignidade da profissão e pelo interesse público (e etc.) que estariam dramaticamente em perigo se pudessem vir a existir novos advogados que não estivessem devidamente alicerçados na sua filiação profissional-parental...
Ainda não há notícia que a
Ordem (esta ou outra) tenha decidido, para já, imitar os extremosos pais de Nova York - mas, ainda assim, o seu propósito é igualmente restritivo da liberdade de acesso a uma profissão e as suas razões proteccionistas actuais, na verdade, não andam muito longe daquelas.
Muito melhor seria se a
Ordem substituísse as suas preocupações de casta geracional com os jovens licenciados em arquitectura pelas razões mais prementes da defesa da profissão, afinal aquelas que deveriam ser a verdadeira razão da sua existência.

(1) Sobre esta problemática ver Licenciados em Arquitectura

(2) Parece que, neste momento, existem cerca de 40 pedidos pendentes de constituição de "Ordens" em Portugal.

(3) "As Ordens Profissionais: entre o Organismo Público e o Sindicato" in Revista do Ministério Público, nº 73, Jan/Mar 1998, p. 21.