8.2.06

SOBRE A PRETENSA INTANGIBILIDADE DE CRISTO E MOISÉS

Disse Daniel Oliveira, no Aspirina B:
«O que não aceito é que os muçulmanos, se reagem, são fanáticos, mas se os judeus reagem e chamam a meio mundo de anti-semita logo se explique que têm boas razões para isso. O que não aceito é que Cristo e Moisés sejam intocáveis na Europa e Maomé motivo recorrente de galhofa (...) Sei apenas o tempo em que vivo. E sei que a islamofobia é um dos maiores perigos que a Europa vive».

Em matéria de demonstração de acentuada falta de respeito com a religião cristã, de credo católico em particular, julgo, sem falsas modéstias, ter angariado algum currículo relevante ao longo dos últimos 3 anos na blogosfera.
Caricaturei por imagens e em textos as figuras consideradas sagradas, ri-me dos seus dogmas e mitos, apouquei os líderes da igreja, inclusivamente em momentos de manifesta inoportunidade - por exemplo, aquando da agonia e morte de João Paulo II. Tenho consciência de que ofendi muitos dos meus amigos, dentro e fora dos blogues, quer por tentação de querer ter graça quer por simples leviandade.
No Blasfémias há gente com uma fé imensa e profunda. Certamente que a maioria dos que nos visitam sentem-se cristãos. Como reagiram? Para além de algumas ameaças anónimas por email e uma dose considerável de injúrias (que não contam para nada), a reacção por parte dos blasfemos católicos e outros amigos foi... responder-me na mesma moeda. Desmontarem-me os argumentos, refutarem as acusações, evidenciarem alguns eventuais equívocos. Muitas vezes, de me irritarem até me transportarem ao ponto do não retorno a qualquer razão argumentativa.
Ninguém me perseguiu. Ninguém sequer cortou relações comigo. Ninguém me proibiu de gozar com o que quer que seja. No meu local de trabalho mesmo quem estranhou não repudiou. Há organizações e pessoas que vão, publicamente, muito mais longe ? podem ser objecto de protesto (baseado na mesma Liberdade que suportou a crítica) mas, hoje em dia, não são acossados, incomodados ou diminuídos.
Ora isto só acontece na nossa parte do mundo. E nada disso pode sequer ser sonhado num país muçulmano. Não é islamofobia: é mera constatação de um triste facto.
Depois de um processo histórico específico, a cultura ocidental - judaico-cristã se se entender - assimilou uma dose muito razoável de tolerância. Percebeu a necessidade de se acarinhar a Liberdade e de se amparar o indivíduo, primeiro em relação à religião, depois face aos poderes públicos e, finalmente, quanto a qualquer esforço de disparate.
A religião e o Estado, a mal ou a bem, perceberam que tinha de ser assim. Os patrocinadores do disparate é que, pelos vistos, ainda não entenderam grande coisa.

Comparar a reacção do mundo muçulmano em relação aos cartoons com a dos cristãos de agora quando confrontados com ofensas similares é um gigantesco absurdo.
Estabelecer paralelos forçados e deslocados entre as duas atitudes é pretender coagir a realidade.
É uma tentativa de enquadrar os factos num arquétipo que já está feito, acabado e pronto a criar musgo, nas mentes daqueles que julgam o mundo de sentido único, sempre idealizado.
Ou então, mais prosaicamente, será pura má-fé. Seja como for, nada disso faz sentido.

P.S. Como é que se chamava aquele livro que foi best-seller em todo o Ocidente e que tinha o nome de um artista do Renascimento? Não estão a fazer um filme com o Tom Hanks que vai estrear daqui a 3 meses? Ai essa intangibilidade...