3.2.06

What's in a name?

JCD lançou a questão no Blasfémias ao defender o direito ao «substantivo», pelo menos para não ter que mudar o dicionário. Casamento é uma palavra com um significado definido. Fará algum sentido chamar casamento àquilo que até aqui não tem sido considerado casamento? (Questão posteriormente comentada aqui)

É um problema interessante, que mostra a utilidade da certificação privada dos casamentos. Mas antes disso, vale a pena recordar um conflito idêntico noutra área.



Os produtores de vinho da África do Sul insistem em chamar Port Wine a determinadas variedades de vinho que produzem. Os produtores portugueses da Região Demarcada do Douro consideram abusiva essa designação e consideram que a marca deve ser um exclusivo do Vinho do Porto português.

Há aqui um conflito entre duas autoridades certificadoras, uma sul africana e uma portuguesa. Este conflito deveria ser resolvido por um tribunal independente que procuraria determinar quem, se alguém, tem direito à marca.

Saber quem tem razão é um trabalho para um juiz. Um juiz que tivesse que decidir o caso tentaria em primeiro lugar ver como tem funcionado o sistema de marcas comerciais. Chegaria muito provavelmente à conclusão que as empresas usam as marcas como elemento distintivo dos seus produtos, que as marcas são reconhecidas pelos consumidores como uma garantia de que o produto tem determinadas característica e de que as empresas normalmente se consideram proprietárias das suas marcar. O nosso hipotético juiz também chegaria certamente à conclusão que existem boas razões para que as marcas sejam consideradas propriedade das empresas que as criam. Por um lado, uma marca só adquire um determinado estatuto à custa de muito trabalho, sendo por isso justo que quem cria uma marca tenha o direito exclusivo a essa marca. Por outro lado, os consumidores compram uma determinada marca porque chegaram à conclusão que ela corresponde invariavelmente a um produto de qualidade, o que significa que o uso de uma marca por uma empresa que não oferece o mesmo produto pode pode ser considerado uma forma de fraude.

O juiz descobriria ainda outras coisas interessantes. Descobriria que existem marcas que não pertencem a ninguém, mas que mesmo assim são úteis e respeitadas. No comércio de produtos alimentares, por exemplo, existem designações genérica como «Iogurte» que não podem ser atribuidas àquilo que não é um Iogurte. No entanto, a marca Iogurte não pertence a nenhuma empresa em especial. Mas, mesmo assim, qualquer tentativa de vender como iogurte um produto que não é iogurte pode ser considerada fraude.

O nosso juiz tentará descobrir por que é que a marca iogurte não foi atribuída a uma empresa específica. Provavelmente descobrirá que a desginação iogurte precede em muitas centenas de anos a comercialização do produto. Nenhuma empresa terá visto vantagem em apropriar-se de uma designação comum que não oferecia nenhum factor distintivo. Mesmo que o tivesse feito, provavelmente tal apropriação não lhe seria reconhecida pelo público, pela concorrência e pelos tribunais por a designação já ser utilizada para designar iogurts em geral e não os iogurts produzidos por uma empresa em particular.

(continua)