14.12.06

Liberalismo-democrático


A sociedade que os liberais clássicos defendem não é a democracia-liberal, mas o liberalismo-democrático. Esta é uma sociedade que coloca a liberdade à frente da democracia, e o individualismo à frente da igualdade.###

Nesta sociedade, o individualismo é assumido como valor primeiro - um individualismo definido no sentido de Hayek ou mesmo na versão heróica de Ayn Rand. Esta é uma sociedade onde cada homem é livre de exprimir os seus talentos, a sua iniciativa, as suas capacidades e o seu carácter, o seu heroísmo até, sem quaisquer impedimentos, que não sejam os da moral e do direito. Nesta sociedade, o Estado, que é o monopólio da força e da coerção, é reduzido à sua expressão mínima de cuidar da defesa, da ordem pública, da aplicação da justiça e pouco mais.

Um regime político de liberalismo-democrático é, porém, uma contradição nos termos e nunca existiu nem nunca existirá. Por isso, os liberais modernos, se são verdadeiramente democratas, perdem o seu tempo em busca de uma genuína utopia. A razão é que, logo que a democracia é introduzida no regime, a multidão, através dos seus governos de maioria, vai substituir a primazia da liberdade, pela primazia da sua verdadeira paixão - a igualdade. E o liberalismo- democrático transforma-se em democracia liberal. (A expressão democracia-liberal é americana, sendo o seu equivalente europeu a social-democracia).

O liberalismo, tal como os liberais clássicos o imaginam, se alguma vez foi aproximado, foi sempre sob regimes aristocráticos ou sob regimes autoritários - nunca sob regimes democráticos. E, não é sequer surpreendente que os principais autores liberais dos últimos dois séculos e meio - como Smith, Hume, Lord Acton, Burke, Mises, Hayek, Popper - fossem oriundos de sociedades aristocráticas, como eram a Grã-Bretanha e a Austria.

Em Portugal, em Espanha e nos seus descendentes pela América Latina nunca os caudilhos permitiram que o liberalismo chegasse à esfera cívica e muito menos à esfera pública. Mas na esfera dos interesses privados a que pertence a actividade económica, Portugal de Salazar, a Espanha de Franco e o Chile de Pinochet eram sociedades liberais. A tal ponto que o único economista oriundo destes países que se tornou famoso pela reforma liberal que operou e que hoje tende a ser imitada um pouco por todo o mundo, era um ministro de Pinochet. Refiro-me a José Piñera e à privatização da segurança social no Chile.