Ao ler esta notícia relativa à EDP e ao respectivo processo de privatização, não pude deixar de pensar que, cada vez mais, manifestam-se sinais de uma tendência que ouso qualificar de empresarialização/privatização das Finanças Públicas.
Um pouco ao correr da memória, recordo "epifenómenos" como a cessão de créditos fiscais e de dívidas da S.S. ao grupo City (negócio até hoje muito pouco transparente e/ou, pelo menos, não explicado e assumido sem reticências), o anúncio da extinção da direcção Geral dos Impostos e da sua substituição por um Conselho de Administração das Finanças, a prática (apesar de tudo já antiga, se bem que em contextos variáveis) da negociação casuistica de benefícios e de isenções fiscais, através de contratos-programa, o anúncio da abertura de uma nova metodologia de gestão dos fundos da C.G.Aposentações, em regime concorrencial com os fundos (propriamente ditos) de pensões, etc., etc. e, agora, esta questão negocial (também casuísitica) que, a pretexto da EDP, envolve a disponibilidade do próprio Orçamento Geral do Estado.
Talvez estejamos a caminhar - agora, se pensarmos em todas essas tais manifestações de empresarialização das Finanças Públicas, pelo menos, pelo lado das receitas - para um novo paradigma: depois das Finanças oitocentistas neutras, depois das Finanças Públicas do Estado social e das Finanças Públicas instrumento/suporte do Estado intervencionista, talvez surjam as Finanças para-empresariais (deixando cair, pelo menos à luz da terminologia clássica, o adjectivo "públicas").
Confesso que não tenho ainda dados, nem reflexão suficientes, para comprovar ou não, definitivamente, se estamos perante uma tendência sólida ou apenas um conjunto de "epifenómenos" (uma questão a ser dilucidada pelos fiscalistas e financistas...)
Também - caso se venha a verificar, de facto, estarmos perante uma tendência que ganha forma em termos de empresarialização das Finanças e do respectivo Ministério (um futuro Ministério das Finanças, Estado português, SGPS, S.A.) ) - não tenho nada a opor, em tese geral...talvez mesmo, antes pelo contrário! Será um caminho que poderá, à priori, trazer muitas vantagens em termos de eficiência e de responsabilização. Dirão, nesta linha, que é um sinal de uma política tendencialmente liberal.... assim poderá, efectivamente, parecer.....
No entanto, se for este o caminho a seguir, se uma tendência de emagrecimento do Estado em algumas das suas clássicas e definitórias funções essenciais se impuser, começando pela empresarialização das Fiananças Públicas (só faltará falarmos também da Justiça e das Forças Armadas e da Segurança), seria, contudo, importante não esquecer o seguinte:
- 1. o Estado - "nóvel empresa de Finanças" deverá - para que os pressupostos correctos de uma tendência "para-liberal" se verifiquem - deixar cair (ou, pelo menos, auto-limitar significativamente) as perrogativas de «autoridade pública» de que, por excelencia, dispõe;
- 2. o Estado- "nóvel empresa de Finanças" deverá - para que os pressupostos correctos de uma tendência "para-liberal" se verifiquem - requalificar o imposto como sendo uma receita pública MENOS de origem legal e coerciva e, tendencialmente, MAIS de carácter contratual, acabando por diluir significativamente a diferença entre "impostos" e "taxas", abrindo então caminho - aí sim, com propriedade! - à adopção plena do "princípio utilizador-pagador" como regra da "nova tributação contratualizada";
- 3. e, sobretudo, o Estado terá que se auto-disciplinar para começar a agir como uma "pessoa de boa-fé", , com sentido também de uma sã concorrencia inerente ao estatuto empresarial, em matéria fiscal, deixando, por exemplo, de NÃO pagar a tempo e horas os créditos de imposto que deve, deixando de retardar (ás vezes, até ao limite do desrespeito e da viabilidade éconómica do próprio contribuinte/fornecedor) as dívidas perante fornecedores que tem e que gere com o passar do tempo, enfim, deixando de se aproveitar de mecanismos legais excepcionais para impor uma vantagem concorrencial (a impossibilidade de compensação fiscal, a tentativa da inversão do ónus da prova de acordo com a máxima in dubio, pro fisco, etc.,etc., etc.)...
Enfim, a uma mudança de paradigma(se houver), deverá corresponder também uma mudança/criação de uma verdadeira ética fiscal!