18.4.05

Leituras: Francisco Sá Carneiro, Textos V.1

Publicado em 1981 pela Editorial Progresso Social e Democracia, Lisboa, o 1º volume dos "Textos" de Francisco Sá Carneiro, relativo aos anos 1969-1973, insere-se num conjunto de 7 volumes. Trata-se de um conjunto de livros com assinalável interesse, no sentido de permitir um conhecimento profundo do pensamento político de Sá Carneiro.

Neste texto, iniciaremos a nossa análise desta obra, através da Parte I, correspondente às páginas 1 a 69, bem como a entrevista constante das páginas 391-405, publicada no jornal "República" com data de 15-12-1971, conduzida, segundo refere o texto, por Jaime Gama.

É apresentado um Comunicado, publicado em 28-9-1969, relativo às eleições para deputados, assinado, para além de Sá Carneiro, por mais três personalidades, bem como o respectivo projecto. Sobre o "sufrágio livre" diz-se "que constitui o processo mais directo e amplo da indispensável participação dos cidadãos na vida do Estado". É defendido o " exercício efectivo dos direitos e liberdades fundamentais" (pág. 15-16). O projecto de comunicado, contudo, difere em pontos significativos do texto definitivo.

No Primeiro Discurso Político, de 12-10-1969, proferido em Matosinhos, Sá Carneiro refere, relativamente à União Nacional, que "não só não são seus membros, como não abdicam das suas ideias, nem empenham a sua liberdade de acção". Defende a "intervenção activa", sem o que poderia não passar do estatuto de "políticos de café" (pág. 20). Sá Carneiro declara, mais ainda, que "rejeito as ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda" (pág. 21).

Com data de 9-10-1969, publicado em "A Capital", um interessante texto versa as liberdades político-religiosas. Aqui encontramos o pensamento liberal de Sá Carneiro em todo o seu esplendor: "A pessoa humana define-se pela liberdade. Ser homem é ser livre. Coarctar a liberdade é despersonalizar; suprimi-la desumanizar. A liberdade de pensar é a liberdade de ser, pois implica a liberdade de exprimir o pensamento e a de realizar na acção" (pág. 27).

Sá Carneiro chega então ao cerne da questão: "Claro que é muito mais difícil, e pode parecer mais ineficaz, governar na liberdade do que contra ela; mas não há outra forma lícita de governo de homens" (pág. 28).

Sobre a liberdade religiosa, Sá Carneiro defende que "Hoje a Igreja tem mais consciência de que o que se lhe impõe é a luta pelos direitos de todos e não apenas a defesa dos seus próprios" (pág. 28).

Na entrevista censurada ao "Diário de Lisboa", de 5-7-1972, tem particular interesse a defesa do presidencialismo, feita por Sá Carneiro: "se passássemos a um regime presidencialista semelhante, por exemplo, ao dos Estados Unidos, nós deixaríamos de viver num regime de concentração de poderes que é o actual regime da Constituição, para vivermos num regime de separação de poderes"(pág. 40). É ainda dito que "uma alteração para um (regime) presidencialista desses significaria um grande passo em frente" (pág. 41).

Outra declaração notável é a seguinte: "O único valor absoluto na Terra é o Homem e é com ele que há que contar na equacionação e resolução dos problemas" (pág. 44).

Na entrevista ao jornal "República", Sá Carneiro responde à pergunta "é um liberal?", dizendo que é, no sentido em que "acha indispensável que qualquer solução política respeite as liberdades e os direitos fundamentais da pessoa humana", mas não é, "se tem como liberal aquele que preconiza a abstenção do poder político em relação ao campo económico e ao campo social" (pág. 393).

Em passo subsequente, é dito que "Há, pois, que caminhar no sentido de soluções que, se não forem socialistas, serão muito próximo delas, soluções que em muitos sectores serão socializantes", uma vez que "um socialismo que respeite a liberdade e a dignidade da pessoa humana e que seja, portanto, nesse aspecto, um socialismo perfeitamente consentâneo com o personalismo, parece-me indispensável no mundo de hoje" (pág. 393).

Sá Carneiro declara ainda que "Entendo que os partidos políticos - que considero absolutamente indispensáveis a uma vida política sã e normal - não carecem de ser confessionais, nem devem sê-lo" (pág. 395).

Como comentário, poderemos dizer que sendo, em geral, preferível ler os escritos originais, os "Textos" de Francisco Sá Carneiro poderão ser merecedores de atenção, sendo de destacar o estilo ponderado, bem como a coragem e a determinação colocada nas palavras proferidas, por parte de alguém que, ao renunciar, em 1973, ao mandato de deputado, se colocou, definitivamente, no "lado certo" da História.

Terá Sá Carneiro sido um liberal? A resposta poderá estar, pelo menos em parte, nos seus "Textos". "Não há outra forma lícita de governo de homens" - quanto a isto, estamos de acordo.

Nota final - A Francisco Sá Carneiro, a todos os membros da Ala Liberal, e, já agora, também a toda a Oposição democrática: muito obrigado, pela acção, pelo exemplo e pelo sacrifício.

José Pedro Lopes Nunes