19.4.05

O estado e a coesão das sociedades

Defendendo a intervenção do estado na cultura, o Pedro Picoito da Mão Invisivel, escreve:

Dir-me-ão que a cultura não é indispensável à sobrevivência de uma sociedade, ao contrário da defesa, da segurança e da justiça. Não concordo. A partilha de referências culturais comuns, de um património herdado e que devemos transmitir à próxima geração, é decisiva para a coesão nacional. Constitui o rosto visível da nossa identidade. Não existindo, estamos a um passo daquilo a que os sociólogos chamam ?anomia?, ou seja, a ausência de um verdadeiro sentimento de comunidade. E, sem ele, qualquer futuro colectivo está ameaçado.


Se bem percebo, o Pedro defende que o estado é indispensável para a sobrevivência de referências culturais comuns. Ora, esta posição é insustentável porque todos sabemos que as referências culturais comuns foram criadas ao longo de séculos e sobreviveram até ao século XIX sem nenhum controlo fino e centralalizado semelhante ao controlo estatal que emergiu no século XX. A coesão das sociedades não é uma criação do estado. As sociedades existem porque emergem espontaneamente a partir da acção livre dos seus membros. As referências culturais comuns não foram ciadas por uma autoridade central. Resultam espontaneamente do jogo social. E por isso, não precisam do estado para sobreviver.

As referências culturais comuns, ou são valorizadas pelos indivíduos e eles próprios têm interesse na sua preservação, ou não são valorizadas e não há nenhuma razão para o estado interferir na sua sobrevivência. A sobrevivência das referência culturais comuns depende muito mais da sua função social do que da intervenção estatal. Se as referência culturais comuns perderem a sua função social, deixarão de ser valorizadas pelos indivíduos e serão progressivamente abandonadas. Ora, quando o estado se substitui aos indivíduos e às instituições geradas espontaneamente torna-se o principal responsável pela destruição das referências culturais comuns porque os indivíduos deixam de se relacionar uns com os outros e passam a relacionar-se apenas com o estado. A sociedade deixa de ser uma rede e passa a ser uma pirâmide. As referências culturais comuns que tinham uma função social deixam de a ter.