Vicente Jorge Silva, ao escrever este texto, parte de vários pressupostos incorrectos tais como:
- (1.) que o discurso político e mesmo social do "politicamente correcto" (de esquerda, bem entendido), nasceu "em certos movimentos da esquerda" radicais norte-americanos e teve uma vida efémera, sendo uma moda inconsequente;
Ora, alguns dos ícons temáticos da velha esquerda europeia (a de VJS), sem dúvida que nasceram de fortes impulsos modistas de sub-culturas norte-amercianas; muitos deles acabaram até por se impor e institucionalizar, mais tarde, quer à esquerda, quer á direita - o que prova que, apesar do modismo, tais impulsos continham ideias novas e estruturantes.
O problema é o uso e a adopção subserviente e anacrónica que a nossa velha esquerda deles faz! Um bom exemplo: a persistência com que se propagam as doutrinas velhas e infundadas do pacifismo unilateralista, na nossa Europa, fundadas, acima de tudo, não numa convicção soixante-huitard, mas num profundo estado de aburguesamento e de consentida falácia intelectual. De resto, um dos ícons da esquerda europeia (Miterrand) definiu-a (essa tese-falácia do pacifismo unilateralista) muito bem, ainda nos tempos da "guerra fria" e do muro de Berlin, com a célebre frase: "os manifestantes estão do lado de cá, porém os mísseis estão do lado de lá!".
- (2.) Quem não é hoje de esquerda foi nado e criado "nas águas «politicamente correctas» dos seus verdes anos de militância esquerdista (designadamente estalinista e maoísta)";
Ao contrário do que muita gente da esquerda de VJS pensa, o tempo voa!... e as gerações já se sucederam. É frequente encontrarmos pessoas que, tal como VJS, pensam que, naturalmente, os verdes anos de juventude são todos, invariavelmente, percorridos com um fascínio pela (extrema) esquerda, passando-se depois, com o andar da vida, a ter-se juízo! Talvez até tenha mesmo sido esse o percurso de VJS...porém, por incrível que pareça a essas pessoas, hoje em dia, "já nem todos nós fomos, aos dezoito anos, maoistas"!!! É, de facto, uma questão geracional...
- (3.) Que alguém - no seu perfeito juízo e minimamente consistente - se lembre de comparar Sartre a Salazar!!??
Desde logo porque...quanto mais não fosse, já muito pouca gente das gerações ulteriores à de VJS, leu Sartre!
- (4.) E, claro, que o «politicamente (in)correcto» (no fundo, para VJS, todos os que não são da sua esquerda) tem a sua origem num "conformismo acrítico, reverencial e rastejante perante as doutrinas neoconservadoras e a política imperial da Administração Bush" !
No fundo, no fundo,... já cá faltava a costelazinha anti-americana, não assumida, da velha esquerda dos anos sessenta que embalou o crescimento intelectual de VJS !
Porém, o facto é que, ao contrário do que VJS pretende fazer crer, há muito que existe fora da esquerda (diria, sobretudo fora dessa esquerda de VJS) quem consiga pensar SEM ESTAR NECESSARIAMENTE ARREGIMENTADO a um grupo, a uma organização ou ao que quer que seja.
É um tique colectivizante e uma espécie de "reflexo de Pavlov" da velha esquerda, pensar-se que nunca existe o indivíduo, ou que existindo, este tem que se subjugar á sua organização (de preferência político-partidária).
Essa catalogação que VJS pretende sugerir (tudo o que não é da sua esquerda é amorfamente cultor dos chavões do "politicamente incorrecto"...que já estão fora de moda e que, portanto, serão inevitavelmente de direita!), além de redutora, é extremamente desculpabilizante para decrepitude que se começa a notar em alguns sectores da intelectualidade de esquerda, nos nossos dias...