23.8.05

Divergência intrigante




No Local - Porto do Público de ontem (link não disponível), escreve Natália Faria, sob o título "As dores de cabeça de Paulo Morais" (bolds meus):

Gerir um parque habitacional composto por 43 bairros, correspondentes a mais de 13.500 fogos, habitados por 43 mil pessoas, ou seja, 20% da população de uma cidade, não é, como se imagina, tarefa fácil. Mais ainda se esses bairros carregam o estigma de abrigarem toda a panóplia de problemas ligados à pobreza, à exclusão social, ao consumo e tráfico de drogas. Fácil era adivinhar a contestação que se seguiria face a quem, a pretexto da reabilitação daqueles aglomerados e dos que lá vivem, decide mexer na população como se de indigentes se tratasse, pessoas reduzidas a números e a uma estatística que se queria reduzir à força. Foi isso que fez o vereador da Habitação e da Acção Social, Paulo Morais. Que, em Agosto do ano passado, decide cortar o mal pela raiz, excluindo os desempregados e os beneficiários do Rendimento Social de Inserção do direito a uma casa no conjunto habitacional do Monte de S. João. O bairro, considerado de luxo sem deixar de ser social, ficaria assim limpo de potenciais perturbadores da ordem estabelecida. A medida provocou uma saraivada de críticas, com constitucionalistas como Pedro Bacelar de Vasconcelos a apontarem a deturpação evidente da finalidade de uma casa social, e a oposição a exigir a retirada das competências relacionadas com a habitação e os despejos ao vereador. É que, ao mesmo tempo, os despejos coercivos seguidos das demolições no Bairro de S. João de Deus continuavam a encher páginas de jornais, alimentando acções judiciais. E, no Bairro do Lagarteiro, várias famílias decidiram invadir 23 casas que permaneciam teimosamente vazias e entaipadas, enquanto nas portas ao lado, agregados se acotovelavam e revezavam para caber na mesma casa. A acção, no Lagarteiro como em vários outros bairros, deu direito a intervenção policial, expulsões e manifestações à porta da autarquia. Não demorou muito até que Paulo Morais deixasse a pasta da Habitação Social para a actual vereadora, Matilde Alves, que integra a lista do PSD às autárquicas de Outubro. Paulo Morais, esse, foi excluído da vida autárquica portuense.

Esta apreciação da jornalista fede nitidamente a uma tentativa de "enegrecimento" da imagem de Paulo Morais. Lendo o texto, conclui-se que a sua "exclusão da vida autárquica" decorre de todo a seu "brutal" desempenho no pelouro da Habitação Social. Curiosamente, nem uma palavra sobre a sua actuação posterior no pelouro do Urbanismo. Coisa aliás não inédita no Público, que há algumas semanas atrás, em artigo especulativo sobre a lista de vereadores, na altura ainda não anunciada, já falava na inflexibilidade das estruturas do partido "na decisão de excluir da candidatura o protagonista das maiores polémicas deste mandato". Mais adiante, retratava Paulo Morais como "tendo estado associado a algumas das medidas mais polémicas do actual mandato". O termo "polémicas" e a rejeição de tudo o que lhe esteja associado, tresanda a uma mescla de "aparelhês" com linguagem de consultores de marketing eleitoral. Outras notícias/análises de idêntico calibre se seguirão certamente nos próximos tempos, sempre com o objectivo de fazer de Paulo Morais a bête noire do mandato, que finalmente foi liquidada.

É contudo ainda um mistério a verdadeira razão que terá motivado o afastamento de Paulo Morais. Mistério que continua por desvendar mesmo no seio do PSD mais basista, como ressalta do trecho deste artigo de João Cottim Oliveira, ele próprio um candidato da coligação:

Confesso a minha perplexidade pelo afastamento de Paulo Morais. Este juntamente com o Presidente, contribuiu para a mudança sufragada em 2001 e, consequentemente, para o desempenho político positivo da Câmara no plano municipal, nacional e internacional.

Na cerimónia de apresentação da nova lista candidata, Rui Rio justificou a ausência de Paulo Morais da mesma como "falta de convergência de vontades", argumento muito rebuscado para explicar o que quer que seja. Na única declaração pública que desde então fez, Paulo Morais acrescentou às vontades a falta de convergência de princípios. Afirmou então - e cito de memória - que não estava disposto a abdicar daquilo que sempre foi e dos princípios por que sempre se pautou e, portanto, não poderia continuar. A generalidade dos media não deu a estas declarações o destaque que mereceriam, mas a dúvida subsiste e agora com maior acuidade:

Que divergência de princípios existe entre Paulo Morais por um lado e Rui Rio e(ou) o PSD por outro? Que razões levaram Rui Rio e (ou) o PSD a afastar Paulo Morais, de longe o vereador com maior protagonismo no actual mandato e durante o qual nunca lhe negaram solidariedade e apoio?

É importante, imprescindível até, que o eleitorado conheça tais razões antes de ser chamado a votar.