2.10.05

Miopias selectivas

Existe um tipo de miopia curioso, digamos, selectiva. Quem sofre de miopia selectiva, só vê o que lhe interessa. Depois da observação atenta, põe o cérebro a funcionar, raciocina sobre os elementos apreendidos, até poder rebolar de satisfação com as suas próprias conclusões.

Vital Moreira publica um post onde afirma que o "Growth Competitiveness Index" deverá ser um choque para os «ultraliberais» porque, alegadamente, os países nórdicos ocupam os lugares cimeiros. Dei-me ao trabalho de ir ver os tais rankings - munido obviamente das medidas de segurança necessárias para atenuar o choque (capacete, luvas, óculos) - e constatei que no top 10 estão países como os EUA, Taiwan, Singapura, e Austrália, e no Top 20 o Japão, o Reino Unido, o Canadá, a Nova Zelândia, a Coreia e a Estónia:

1. Finland
2. USA
3. Sweden
4. Denmark
5. Taiwan
6. Singapore
7. Iceland
8. Switzerland
9.Norway
10.Australia
11.Netherlands
12.Japan
13.United Kingdom
14.Canada
15.Germany
16. New Zealand
17. Rep. Korea
18. United Arab Emirates
19. Qatar
20. Estonia
21. Austria
22. Portugal

Desconheço os pressupostos de tal estudo, mas estranho os seus resultados, que colocam Portugal à frente de países como a Irlanda, Espanha, Itália ou França. Constato ainda que no Top 10 e no Top 20 existem países com os mais distintos modelos económicos, pelo que não percebo como é que Vital Moreira conclui, de uma forma tão liminar, que «um elevado grau de fiscalidade, de despesas públicas e de garantias sociais constituem um incentivo ao crescimento».

O benchmarking na definição das políticas públicas deve ser feito com realismo, e não apenas inspirado em motivações ideológicas. Mesmo quem concorde com os modelos sociais nórdicos, deve ter consciência que as receitas utilizadas Norte da Europa dificilmente serão efectivas em Portugal. Por diversas razões, que são, para qualquer português, óbvias. Por isso, sempre entendi que, para lá das questões ideológicas, Portugal tem de desenvolver um modelo económico próprio, onde incorpore as boas práticas que resultaram em países com características semelhantes às nossas.

Justificar políticas públicas com o sucesso que estas tiveram em países distintos de Portugal pode ter cabimento ideológico, e ser útil do ponto de vista político-partidário; importa ter consciência que tais políticas cá implantadas dificilmente serão viáveis do ponto de vista económico.

Vejamos o seguinte caso (abstraindo de questões ideológicas e concepções sobre Liberdade). Crescimento económico e alta tributação só são compatíveis quando se cumulem os seguintes factores:
- elevada eficiência na produção de serviços públicos;
- nível médio de educação da população elevado;
- uma incipiente evasão fiscal;
- uma sociedade capitalizada e com infraestruturas instaladas;
- um forte espírito de organização;
- civismo e coesão social;
- capacidade de impor, quando necessário, medidas proteccionistas que condicionem a concorrência com países terceiros.

Não existindo estes factores, apostar em políticas públicas como as que são adoptadas nos países nórdicos conduz à estagnação económica e à baixa produtividade.

Por isso é que outros países, que seguiram caminhos distintos, estão também na senda do progresso e do crescimento, apresentando soluções eventualmente mais adequadas à realidade portuguesa.

Rodrigo Adão da Fonseca